Rui Gaudencio

Comportamento

Oito maneiras de ensinar os filhos a ser honestos

Mentir é um marco de desenvolvimento complicado. As crianças têm de ser capazes de convencer os outros de uma realidade falsa e depois recordar os detalhes da mentira.

A minha amiga Jess parou à porta do quarto da filha. Anna estava ao telefone, a contar a Julia, sua colega do 8.º ano, que tinha passado o dia com o namorado. Jess sabia que Anna tinha estado com ela, a escolher roupas que já não lhe serviam e a ver repetições da série “Uma Família Muito Moderna”.

Enquanto ouvia, Jess descobriu que o “namorado” de Anna chamava-se Evan, era guarda-redes, andava numa escola privada em Atlanta e estava na cidade por causa de um casamento de um membro da família.

Jess ligou-me, na esperança de que eu, especialista em aconselhamento escolar, pudesse garantir-lhe que Anna não era uma mentirosa patológica. “Ela foi tão convincente”, contou-me a mãe. “Os detalhes são muito específicos.” Não fazia ideia do que devia fazer a seguir e sentia que tinha falhado como mãe.

Os pais costumam perguntar-me como lidar com as mentiras dos filhos. O que devem fazer se o filho diz que acabou os trabalhos de casa quando nem sequer ligou o computador? Como devem reagir quando a filha nega, falsamente, que faltou à aula de matemática ou que enviou mensagens insultuosas a um amigo?

Mentir é um marco de desenvolvimento complicado. As crianças têm de ser capazes de convencer os outros de uma realidade falsa e depois recordar os detalhes da mentira. “É um dia importante quando as crianças se apercebem de que podem fazê-lo com impunidade e isso altera a auto-imagem deles,” explica Ashley Merryman, co-autora do livro NurtureShock: New Thinking About Children (Choque Educativo: Novas Ideias sobre as Crianças). Quando chegam ao 3.º ciclo, as crianças já estão sintonizadas aos matizes subtis da mentira.

“Os pais ficam muito afectados quando os filhos mentem”, diz Mary Alice Silverman, psicóloga clínica em Washington, D.C. Ela aconselha os pais a abordarem as suas ansiedades em primeiro lugar, para conseguirem determinar de forma racional as razões que estão por trás da desonestidade. Os filhos podem estar a tentar escapar a pressões académicas ou familiares ou à procura de uma maneira de lidar com uma insegurança relativa ao seu estatuto social.

Toda a gente distorce a verdade de vez em quando, para proteger os sentimentos de alguém ou para fugir de uma situação social constrangedora, diz Pamela Mayer, autora do livro LieSpotting (“Detectar Mentiras”) e apresentadora da TED Talk “How to Spot a Liar” (“Como detectar um mentiroso”). “Se fossemos sempre honestos, matávamo-nos uns aos outros.”

Mentir nem sempre é uma questão rígida entre o certo e o errado e os pais precisam de transmitir esta complexidade se quiserem promover uma cultura de honestidade. Aqui estão oito maneiras de os pais ensinarem os filhos a serem verdadeiros.

Mantenha uma atitude mental de curiosidade. Mantenha-se calmo, curioso e sem reacção. “Os melhores estudos sobre mentiras demonstram que o principal não é mentir, mas como se responde à verdade”, diz Merryman. “As crianças estão a testá-lo. Se perder a cabeça porque um teste não correu bem, nunca vai saber por que há uma amolgadela no carro.” Merryman aponta que os filhos vão remover ou omitir informação se sentirem que dizer a verdade vai criar situações dramáticas ou desiludir os pais.

Ajude-os a ter uma perspectiva de longo prazo. Muitas vezes, mentimos por causa da gratificação imediata e os pais precisam de ajudar os adolescentes a compreender como isto prejudica os seus objectivos no longo prazo, diz Silverman.

Se calhar, eles querem que os pais parem de os chatear por causa dos trabalhos de casa, que os deixem chegar a casa mais tarde ou que parem de vigiar as mensagens deles. Os pais podem frisar que a confiança é a chave para uma maior independência e privacidade.

Os adolescentes também são hipersensíveis à rejeição, diz Merryman, que explica que eles vivem em frente a uma audiência invisível e acham que toda a gente está a observá-los e a julgá-los. Os pais podem usar isto a seu favor, argumentando que, se os amigos descobrirem o engano, a situação vai tornar-se dez vezes pior.

Tenha em consideração a raiz do problema. Se um adolescente mente de maneira repetida sobre um assunto específico, os pais devem aprofundar a questão. Se calhar precisam de falar com a escola sobre as dificuldades académicas do filho ou observar com mais atenção o seu grupo de amigos ou quaisquer inseguranças subjacentes.

Os adolescentes mentem por várias razões – para evitarem ser julgados, para estabelecerem ligações, para protegerem alguém, para lidarem com a frustração ou o medo –, mas a grande maioria das mentiras são mentiras por omissão, aponta Merryman. “Um miúdo pode pedir para ir estudar para casa da Sue, mas não contar que vão lá estar outras 100 pessoas numa festa.” Para construir uma resposta eficaz, os pais precisam de identificar e responder aos motivos.

Seja um modelo de honestidade. Sempre que os pais puderem demonstrar que estão a fazer algo honesto, Mayer recomenda que o digam em voz alta. “Posso dizer que gostava de fazer inversão de marcha aqui porque estamos atrasados, mas que isso é contra as regras.” Mayer fala com a filha sobre como sabe bem escolher o caminho difícil ao fazer uma acção, em vez de fazer um atalho.

Por exemplo, diz Mayer, “Não ligue ao patrão a mentir que não pode ir trabalhar porque a rua está atolada de neve.” Os filhos também tomam nota quando os pais não cumprem a palavra dada ou quando os castigam depois de prometerem que não os iam penalizar por contarem a verdade.

Dê-lhes uma saída. Os pais podem encorajar um diálogo honesto ao reconhecerem que dizer a verdade pode ser difícil. Mayer diz que os pais podem fornecer “uma saída para eles lhes contarem a verdade, em vez de lhes atirarem isso à cara, julgá-los ou envergonhá-los”.

Quando os pais tentam apanhar os filhos numa mentira, segundo Silverman, há pelo menos uma probabilidade de 50% de estes serem desonestos para evitarem ter problemas. Ela incentiva os pais a estabelecer que pode haver uma razão inaceitável mas compreensível para eles mentirem, e dizerem aos filhos que não esperam perfeição, mas que esperam honestidade.

Considere atentamente as consequências. Os pais precisam de ser claros sobre se estão a castigar a transgressão ou o acto de encobrir, diz Merryman, acrescentando que os pais não precisam de lidar directamente com os dois males. “Não os obrigue a adivinhar porque está zangado e não combine as duas coisas numa só.”

Os castigos também devem ser lógicos, consistentes e justos. Se os filhos mentem acerca de usar o telemóvel à meia-noite, a consequência pode ser perder o direito a usar o telemóvel. Se os adolescentes mentem sobre o sítio onde estão, a consequência pode ser mais vigilância e os pais podem explicar que é por razões de segurança.

“No que toca à segurança, a maioria dos adolescentes acha que a mãe tem direito a ser informada, mas se têm uma paixão por um rapaz a mãe não precisa de saber pormenores”, diz Merryman. “Respeite essa necessidade de ter espaço pessoal.”

Não tenha medo de discutir. O oposto de mentir é discutir, explica Merryman, e pode ser um sinal positivo de que os adolescentes respeitam os pais. Quando os filhos debatem um assunto, explica ela, estão a partilhar detalhes sobre a sua vida e a tentar compreender o ponto de vista dos pais. “Eles consideram isto uma troca positiva”, afirma. “Discutir é comunicar e os miúdos gostam de saber os mistérios que vão na cabeça dos pais.” Merryman aponta que os adolescentes têm menos tendência a mentir e a rebelar-se se acharem que os pais foram razoáveis e se se importarem com a perspectiva deles.

Converse sobre valores. Os pais precisam de debater a confiança e explicar como as mentiras desgastam as relações e magoam os outros. “Precisamos de dizer que a nossa família não é isto”, diz Mayer. “Muitas vezes, os miúdos mentem porque pensam que vão sair impunes”, acrescenta, “e precisamos de mostrar que vivemos num mundo em que a verdade vem sempre ao de cima.”

Os pais podem colocar questões éticas hipotéticas, desafiar os filhos a ver a situações do ponto de vista de outra pessoa e partilhar histórias pessoais sobre alturas em que o seu carácter também foi posto à prova. Também podem falar sobre assuntos como as fake news ou atletas profissionais que fazem batota.

Mayer aponta que os miúdos precisam de se sentir bem quando dizem “Quem me dera não ter dito isso. Na verdade, menti sobre isso.” Para encorajá-lo, Mayer é sincera sempre que comete um erro, se sente envergonhada ou deseja ter feito algo de maneira diferente. Quando os filhos se chegam à frente, os pais podem elogiá-los por assumirem a responsabilidade.

Depois de falar comigo, Jess disse calmamente a Anna que tinha escutado a conversa acidentalmente. “Ouvi-te falar num namorado,” disse Jess. “Só queria ver como estás. Está tudo bem?” Anna confessou à mãe que Julia andava a gozar com ela por passar os sábados à noite com os pais. Não queria ser sujeita a mais humilhações ao admitir a verdade.

Quando Anna se abriu sobre as razões por que tinha mentido, apercebeu-se que estava esforçar-se demasiado para uma pessoa não a chatear. Na semana seguinte, Anna “acabou” com o namorado imaginário e, ao mesmo tempo, afastou-se de Julia. Disse à mãe que não valia a pena sentir-se uma mentirosa por causa de nenhuma amizade.

PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Rita Monteiro

Phyllis L. Fagell faz aconselhamento escolar na Sheridan School em Washington D.C. tem trabalha em aconselhamento clínico profissional no Chrysalis Group em Bethseda. O seu Twitter é @pfagell.