LUSA/JULIEN DE ROSA

Relações

Porque é que diferença de idade de Macron e Trogneux é tema de conversa?

O candidato francês à presidência de França tem menos 25 anos do que a mulher com quem está casado há dez anos.

O não-assunto das relações entre mulheres mais velhas e homens mais novos tornou-se pertinente nos últimos tempos, depois de o candidato à presidência de França, Emmanuel Macron, de 39 anos, ter aparecido em palco na noite da vitória da primeira volta das eleições, com Brigitte Trogneux, de 64. Por que é tema de conversa e de notícias a diferença de idade do casal e não é a de outros políticos, homens mais velhos que estão casados com mulheres mais novas?

“Costumo dizer que todos nós somos um pouco sexistas, todos nós somos racistas, todos nós somos um pouco xenófobos”, responde Silvana Mota Ribeiro, investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho. Quando os discursos sobre questões tão fundamentais quanto o amor, a vida e a morte estão tão enraizados “há sempre algo dentro de nós que diz ‘que engraçado, eles estão juntos há não sei quanto tempo, ela tem mais não sei quantos anos do que ele...’”.

A diferença de 25 anos do casal francês saltou à vista. Houve quem pusesse em causa o início da relação, por se terem conhecido enquanto eram professora e aluno, na mesma escola – “como é que posso fazer com que o mundo me leve a sério quando acham que sou um menino da mamã com uma mulher 25 anos mais velha”, escreveu uma repórter do Daily Mail, encarnando de forma satírica o candidato francês. Surgiram também rumores acerca da orientação sexual de Macron, sugerindo que o político estaria casado com Brigitte como disfarce para a sua homossexualidade.

Rapidamente se juntaram vozes a apontar inúmeros homens em cargos de poder com mulheres bastante mais novas – veja-se o caso de Donald Trump, que nasceu 23 anos antes de Melania; ou de Michel Temer, cuja mulher tem menos 43 anos. “Enquanto poucos se importaram em apontar o quão mais velho Trump é do que Melania, pelo menos em estado de choque, Macron e Trogneux são a história política do dia, sobretudo nos media não franceses”, escreve Peggy Drexler, cronista da CNN. No entanto, outros comentaram ainda que se a situação fosse inversa – ou seja, se Macron fosse o professor e Brigitte a aluna – seria ainda pior, pois mais facilmente um homem seria conotado como predador sexual.

Macron e Brigitte aproximaram-se quando ele tinha 17 anos e ela era casada, com uma filha que estava na mesma turma de Emmanuel. No último ano do liceu, os pais mudaram-no de escola. Na altura, “telefonávamos um ao outro a toda a hora, passávamos horas ao telefone”, lembra Brigitte, citada pelo Telegraph. “Pouco a pouco, ele venceu todas as minhas resistências de uma forma incrível, com paciência”, recordou ainda, num documentário televisivo, citada pelo Independent.ie. Quanto ao momento em que o romance começou, o casal prefere manter a informação confidencial.

Muitos anos depois, Brigitte acabou por se divorciar e em 2007 casou com Macron, na altura com 29 anos.

“Tenho imensos colegas na faculdade que conheceram as esposas actuais quando eram alunas deles – nunca se pôs a questão, toda a gente fala disso de uma maneira muito simpática”, conta Silvana Mota Ribeiro. “De certeza que há mulheres que se apaixonaram pelos alunos. Essas histórias não são ditas. Aconteceu com o Macron e acontece naturalmente com muita gente”, acrescenta.

Num dos seus estudos mais recentes, a investigadora do CECS analisou as representações actuais do envelhecimento no masculino e no feminino. Com o barulho à volta do casamento do Macron diz não ficar surpreendida, tendo em conta o “duplo padrão sexual” que existe e que vem de “discursos ancestrais que povoam o nosso imaginário”.

“Para percebermos este fenómeno, nomeadamente em termos de cobertura mediática, temos de perceber como o envelhecimento é visto para o feminino e para o masculino”, explica. “Quando uma mulher passa uma certa idade e deixa de poder ter filhos ou passa pela menopausa é considerada alguém que está a entrar numa fase de decadência.” Pelo contrário, “não há discursos que associem as rugas, os cabelos brancos, as dificuldades em movimentar-se” à perda de virilidade de um homem, acrescenta.

“Nós também reproduzimos os discursos”, avisa. “A cultura mediática é hegemónica e tende a reproduzir modelos de comportamento e de vivências, nomeadamente em termos de sexualidade e de amor, que são aqueles que estão em nós desde pequenos”. 

Família, amigos e desconhecidos

“A maturidade psicológica não se afere pela idade”, nota Margarida Vieitez, especialista em mediação familiar, de conflitos e terapia de casal. Importante, diz, “é haver um projecto de vida”.

A procura de validação externa – seja de família, amigos ou desconhecidos – pode “minar” uma relação e causar “conflitos internos”, avisa ainda a autora do livro Verdades, Mentiras e Porquês. “Quanto mais necessidade o casal tiver de aceitação, mais difícil será a relação”. Assim, aconselha as pessoas que estão nesta posição a “dar mais valor àquilo que pensam e querem” e a falarem com amigos e família com assertividade e respeito. Não quer com isso dizer, que não seja importante ouvir o que têm para dizer – sobretudo quando alertam para eventuais problemas na relação –, mas não devem “permitir qualquer espécie de pressão ou manipulação sobre a sua vida, intimidade e escolhas amorosas”.

Para quem é mais novo, estabelecer este equilíbrio com a família pode ser mais complicado, alerta por seu lado Margarida Cordo, psicóloga, terapeuta familiar e psicoterapeuta. Tomando o exemplo de um rapaz que namora com uma mulher mais velha, se este “for muito dependente da sua família de origem, permita que as pessoas opinem e influenciem, seja uma pessoa submissa às opiniões, claro que pode ter implicações” na relação.

Há vários investigadores que tratam precisamente do tema da influência das famílias de origem na qualidade da relação do casal. Por outro lado, “se houver fronteiras nítidas, ou seja, relações saudáveis, pode não condenar” a relação.

Margarida Cordo, que é directora-geral do gabinete de psicologia Conforsaumen, refere dois discursos bem distintos. Quando o filho diz “muito bem, agradeço a vossa opinião, contudo estou a fazer uma reflexão madura, gosto desta mulher e, mesmo tendo em conta tudo aquilo que vocês estão a dizer, tenho esta decisão tomada” isto é aceitar a opinião e pôr limites. “Se começa a ficar fragilizado e a dizer coisas do género ‘pois, eu não tinha pensado nisso… realmente começo a pensar que… de facto há projectos de vida que já não posso ter com esta mulher…’, ou seja, se há uma cedência imediata e uma submissão à família, é óbvio que, à partida, a relação já não avança ou se avança pode ficar progressivamente minada.”

Quanto à família de uma mulher mais velha, à partida “já se mete menos”, já que esta “tem provavelmente um processo de demarcação relativamente à família de origem”.

As pessoas desconhecidas também podem ter impacto nas relações. Margarida Cordo menciona um dos seus doentes que, apesar não ser esse o motivo em questão, tinha uma relação com uma mulher 15 anos mais velha e sentia-se desconfortável ao ver que certos comentários – pessoas a assumir que eram mãe e filho, por exemplo – afectavam a sua mulher.

Amor, confiança e admiração

É importante apontar que nem todos os casos são iguais e dependem de um grande número de factores, avisa a psicóloga: “Se ambos tinham filhos antes, se não tinham e queriam ter, se estamos a falar de questões sociais, da vida pública…” Não existe um discurso específico que tenha com os seus doentes que vivem este tipo de relações, mas sim uma “pedagogia de relação que tende a remeter para aquilo que todas as pedagogias de relação devem remeter, que é uma a estrutura de três pilares – amor, confiança e admiração”.

A idade interessa como mais um factor, explica. “Não se pode dizer que é obrigatoriamente um factor negativo – isso é o preconceito deste tema. É uma circunstância e não é uma circunstância neutra. Tem peso e requer maturidade para gerir.” A diferença de idade só se torna algo negativo, continua, “se as pessoas tomarem a decisão de construir a relação por impulso. As decisões afectivas por impulso, essas sim, podem na sua maioria estar condenadas ao fracasso”.

Uma coisa é certa: “Idade e maturidade não são a mesma coisa”, conclui a psicóloga.