Alimentação
"Desde que nascem, os bebés sabem qual é a quantidade de comida de que precisam"
"Os bebés sabem comer sozinhos" é o livro das britânicas Gill Rapley e Tracey Murkett, que vieram a Portugal ensinar como se faz.
Gill Rapley foi enfermeira e Tracey Murkett é jornalista. A primeira criou o conceito Baby-led weaning (BLW), qualquer coisa como "o desmame conduzido pelo bebé" ou os "bebés que se alimentam sozinhos", e a segunda é uma adepta do conceito e, por isso, escreveram juntas Os bebés sabem comer sozinhos, editado em Portugal pela Matéria-Prima. O desafio é ensinar aos pais um novo método e aplicá-lo de maneira a que a hora da refeição não seja um drama.
As autoras estiveram em Lisboa este fim-de-semana para lançar o livro e fazer um workshop sobre o tema, para que os pais esqueçam os purés e as sopas trituradas e introduzam os alimentos com toda a naturalidade. O livro tem ainda receitas não só para o bebé mas também para o resto da família.
O que é o BLW e quais são as suas vantagens e desvantagens?
O Baby-led weaning (BLW) é uma abordagem de desenvolvimento aos alimentos complementares: segue as capacidades e os instintos do bebé, permitindo-lhe familiarizar-se com vários tipos de alimentos e praticar as suas competências para comer. No BLW, o bebé é incluído nas refeições familiares e pode juntar-se a elas assim que quiser, pegando na comida com os dedos, explorando, provando e depois começando a comer pequenas quantidades, quando estiver pronto. O bebé pode comer a quantidade que quiser, ao seu próprio ritmo.
O BLW também significa refeições em família descontraídas e sem conflitos, o que é bom para os bebés e para os pais. Também é mais fácil do que a abordagem convencional, porque não é necessário preparar alimentos diferentes para o bebé nem passar tempo a dar-lhe comida na boca em separado.
Estudos feitos até agora indicam que o BLW conduz a um risco de obesidade reduzido – provavelmente, porque o bebé nunca é encorajado a comer mais do que o que quer, e portanto consegue manter a sua capacidade inata de responder ao apetite. Os bebés BLW têm tendência a fazer escolhas alimentares mais saudáveis em pequenos e, segundo os pais, gostam de vários tipos de alimentos e texturas e têm menos probabilidade de serem esquisitos com a comida. Muitos dentistas e terapeutas da fala acolhem bem a mastigação precoce porque melhora o desenvolvimento do maxilar e as capacidades orais-motoras. É provável que o BLW também leve a uma melhor coordenação olho-mão e destreza manual. Finalmente, o BLW causa uma progressão mais gradual para as comidas sólidas, permitindo ao bebé beneficiar do leite materno ou do leite em pó durante mais tempo.
O BLW é uma moda, como muitas pessoas dizem?
O BLW é, quase de certeza, mais antigo do que dar comida na boca, porque reflecte o que os bebés fazem espontaneamente. A curiosidade leva-os a explorar o que está ao seu redor, a agarrar objectos e a levá-los à boca. Eles começam naturalmente a explorar a comida desta maneira, se tiverem oportunidade de o fazer. Muitos pais experientes descobriram isto sozinhos, mas não falavam sobre isso porque não tinham um nome para este fenómeno. Há provas arqueológicas de que, há milhares de anos, os bebés mastigavam alimentos duros de forma regular a partir dos seis meses, portanto dar-lhes comida na boca é uma intervenção relativamente recente. Actualmente, reconhece-se que os bebés não precisam de alimentos sólidos antes dos seis meses e parece claro que dar comida na boca e fazer purés é desnecessário.
Qual a posição mais comum dos pediatras perante o BLW?
Muitos pediatras gostam do BLW; outros são mais cautelosos. Aqueles que apoiam a introdução de alimentos sólidos a partir dos seis meses reconhecem que a autoalimentação é apropriada ao desenvolvimento do bebé nesta idade. Muitos também têm consciência de que não há provas que apoiem a alimentação à colher e os purés para bebés normais e saudáveis com mais de seis meses.
Quando deve começar um bebé a alimentação complementar e em que é que o BLW é diferente de começar com purés de legumes e de frutas?
A Organização Mundial de Saúde recomenda a introdução de alimentos sólidos a partir dos seis meses. Isto baseia-se em investigação acumulada que demonstra que os bebés mais novos não estão preparados para lidar com alimentos à excepção do leite materno ou em pó e enfatiza o valor continuado do leite materno até aos dois anos ou mais. A maior parte dos países adoptou esta posição, mas a maioria não alterou as suas recomendações sobre como introduzir os alimentos sólidos. Um bebé de seis meses tem capacidades diferentes de um bebé de quatro; é capaz de mastigar e de se alimentar sozinho, por isso não precisa que os alimentos sejam triturados ou que lhe dêem comida na boca. O leite materno ou em pó pode continuar a fornecer quase todas as suas necessidades, por isso não é preciso apressar a transição para os alimentos sólidos. Os nutrientes adicionais de que o bebé provavelmente mais precisa são o ferro e o zinco, portanto as frutas e legumes, só por si, são insuficientes. O sistema digestivo do bebé é mais maduro, por isso ele pode comer um conjunto vasto de alimentos saudáveis desde o início, incluindo carne e peixe. O BLW incorpora isto tudo, permitindo uma transição mais natural e gradual da amamentação para as refeições em família.
Quais os sinais de que um bebé está preparado para começar a fazer BLW? Há bebés a quem o método não pode ser aplicado?
Actualmente, reconhece-se que os sinais de que um bebé está preparado para o BLW são os verdadeiros sinais de que ele está preparado para explorar alimentos sólidos. Estes são a capacidade de se sentar direito, de virar a cabeça e estender os braços sem perder o equilíbrio; e a capacidade de pegar em objectos (incluindo alimentos) e levá-los à boca com precisão.
Estas capacidades coincidem com uma vontade de imitar os pais e provar as comidas que estes estão a comer, mas não necessariamente de consumir grandes quantidades. Nesta fase, o bebé ainda procura satisfazer a fome com o leite; a ligação entre os alimentos sólidos e a barriga cheia chega mais tarde, quando ele já está familiarizado com os novos cheiros, sabores e texturas.
Os bebés com determinadas doenças ou deficiências, ou os que nasceram muito prematuros, podem precisar de nutrientes adicionais ou de apoio físico extra quando comem, mas o princípio de autonomia do BLW deve ser encorajado o mais possível.
Um bebé de seis ou sete meses consegue comer uma quantidade suficiente pela própria mão ou decidir as quantidades de que necessita de cada alimento?
Desde que nascem, os bebés sabem qual é a quantidade de comida de que precisam e conseguem responder correctamente ao seu próprio apetite. Esta capacidade continua a não ser que seja repetidamente contrariada, por exemplo, quando outras pessoas encorajam ou obrigam o bebé a continuar a comer quando ele já está cheio. Desde que seja oferecida uma variedade de alimentos saudáveis, não há provas de que os bebés não escolhem aquilo de que precisam, embora possam fazê-lo ao longo de várias refeições, em vez de a cada refeição individual. Os estudos demonstraram repetidamente que o suborno e a coerção fazem com que haja maior probabilidade de fazer más escolhas alimentares e de recusar a comida. O BLW permite aos bebés comer com atenção e responder instintivamente às necessidades do seu corpo.
Quais os principais cuidados a ter na preparação dos alimentos?
Todos os alimentos dados ao bebé devem ser saudáveis, portanto as regras normais de evitar o sal, o açúcar e outros ingredientes pouco saudáveis aplicam-se ao BLW, como com qualquer comida para bebé. A diferença importante do BLW é que os alimentos devem ser fáceis de agarrar e segurar para os bebés. No início, isto implica pedaços com a forma e o tamanho do dedo de um adulto, tiras de carne ou comidas com uma “pega” natural (como os brócolos). Com a prática, o bebé vai rapidamente conseguir manusear pedaços mais pequenos e com uma variedade de texturas. É claro que é importante evitar alimentos que podem causar engasgamento, como frutos secos e comidas pequenas e redondas, e retirar os caroços a alimentos como azeitonas e cerejas.
Quais os alimentos que devem ser dados primeiro e como se deve evoluir?
Todos os alimentos saudáveis são apropriados para bebés a partir dos seis meses, desde que sejam adaptados para que o bebé possa pegar neles com facilidade. As recomendações convencionais – introduzir um alimento de cada vez e adiar certos alimentos – não são relevantes quando se introduzem alimentos sólidos aos seis meses. Estas recomendações aplicavam-se a bebés de quatro a cinco meses (ou mais pequenos), que têm um sistema imunitário e um sistema digestivo ainda imaturos. Pode-se dar gradualmente aos bebés alimentos de diferentes tamanhos e texturas, juntamente com algumas formas que eles conseguem manusear, para que as capacidades se desenvolvam ao ritmo do bebé.
No BLW não há propriamente listas de introdução de alimentos por idades ou recomendações para esperar alguns dias entre novos alimentos, pelo que se começa cedo a dar pratos com ovos ou frutos vermelhos. Não há riscos em termos de alergias?
A ordem de introdução dos alimentos varia de país para país. No entanto, a investigação mais recente sugere que adiar alimentos potencialmente alergénios não reduz a incidência de alergias e pode até aumentar a sua probabilidade. As recomendações actuais indicam que se deve introduzir uma grande variedade de alimentos, em quantidades muito pequenas, desde o início da alimentação complementar. O BLW incentiva esta abordagem, porque os bebés querem naturalmente pegar e provar os alimentos, muitas vezes durante várias semanas, antes de estarem prontos para os começar a engolir.
O engasgamento é o principal receio dos pais em relação a este método. Com os alimentos sólidos não há mais risco de engasgamento do que com purés? O que fazer em caso de engasgamento?
O risco de engasgamento não é maior no BLW do que ao dar comida na boca. Desde que se sigam regras de segurança de bom senso, os alimentos sólidos não representam um perigo para um bebé capaz de mastigar, que levou sozinho a comida à boca e a quem deixam concentrar-se na comida. Acredita-se muitas vezes que os purés são necessários para ensinar os bebés a mastigar mas não há provas disto. Os bebés desenvolvem a capacidade de mastigar mesmo que não tenham tido experiências com purés anteriormente.
Em caso de engasgamento (o que é muito raro), devem seguir-se as recomendações padrão para os bebés. Todos os pais devem saber o que fazer em caso de engasgamento, independentemente da abordagem à alimentação complementar que seguem, porque os bebés podem engasgar-se com outras coisas para além da comida (por exemplo, brinquedos).
Na cultura portuguesa a sopa é a base da alimentação de muitas famílias. Se o bebé não consegue comer sopa sozinho não se dá? Como se adapta o BLW a estas diferenças culturais?
As primeiras refeições do bebé não se baseiam só em comer, mas sim na partilha de uma ocasião social e em explorar o que é a comida. Os bebés podem participar nas refeições sem comerem nada, no início. Depois, tornam-se gradualmente mais hábeis a comer todos os tipos de comida, incluindo a sopa. Aos seis meses, quando os bebés já conseguem mastigar e quando a sua necessidade nutricional principal pode ser mais ferro, a sopa de legumes pode não ser o primeiro alimento que eles escolhem comer – embora possam querer provar.
Há várias maneiras de adaptar a sopa (e outros alimentos líquidos), para o bebé as conseguir provar sozinho: pode deixar-se na sopa pedaços de legumes suficientemente grandes para o bebé pegar neles (certificando-se primeiro de que a sopa está suficientemente fria); pode acrescentar-se pedaços de pão à porção do bebé, para ele conseguir pegar no pão; pode dar-se ao bebé alguma coisa para molhar na sopa, como pão ou uma colher; pode-se fazer uma sopa espessa, de forma a que o bebé consiga bebê-la de um copinho; pode-se dar ao bebé uma colher para segurar, que o pai ou a mãe encheu de comida antes. Provavelmente, um bebé que ainda está a começar também vai querer pegar na taça – por isso uma taça fixa à mesa pode ser útil.
O BLW reflecte o desenvolvimento natural de todos os bebés, em todos os lugares. Uma cultura individual pode precisar de fazer pequenos ajustes nas fases iniciais, para permitir aos bebés participarem nas refeições da família ao mesmo tempo que comem de maneira autónoma.
No BLW o bebé começa por comer pela própria mão. Quando se devem oferecer talheres e em que idade podemos esperar que os saibam usar?
Os bebés começam por usar os dedos porque é mais fácil para eles e porque lhes permite sentir a textura da comida, que é importante para aprender a comer. Manusear a comida também os ajuda a desenvolver a destreza manual de que vão precisar para usar os talheres de forma eficaz. No entanto, eles também querem imitar os pais, por isso, se houver talheres à disposição, o bebé vai querer experimentá-los. Muitos bebés têm mais facilidade em usar um garfo do que uma colher no início, porque a acção de “espetar” é mais fácil do que o movimento da colher. Na nossa experiência, as crianças BLW costumam ser mais hábeis a usar os talheres do que as que foram alimentadas à colher em bebés.
E na vida mais social, tendo em conta que de início os bebés se sujam muito, como adaptar o BLW em momentos como uma ida ao restaurante?
Há várias maneiras de reduzir ao mínimo a sujidade: há pais que levam consigo um tapete para colocarem debaixo da cadeira do bebé, de forma a apanharem o que cai chão no fim da refeição. Um babete com um bolso pode ajudar a apanhar a comida que cai. Escolher opções do menu que causem menos sujidade, como pratos sem molho, fará com que se sujem menos.
De maneira geral, o período em que os bebés se sujam muito a comer só dura alguns meses. As crianças pequenas que usaram o BLW em bebés costumam comer de forma mais limpa do que os seus pares que foram alimentados à colher.
Que receitas sugerem e que costumam resultar bem para a maioria dos bebés? Como variar as refeições?
O nosso livro inclui dicas sobre como adaptar vários alimentos diferentes, para os bebés poderem partilhar o que a família está a comer e dá muitas ideias de refeições saudáveis para a família. Uma grande variedade de cores, sabores e texturas torna a comida saudável e interessante para todos, portanto, se a dieta da família for variada, as refeições do bebé também vão ser!