Rui Gaudencio

Saúde

Pode ser bom receitar videojogos a crianças com problemas de atenção

Depois de quatro semanas a jogar, os investigadores descobriram uma melhoria significativa na capacidade de atenção das crianças.

Um videojogo apropriado poderá um dia ajudar a melhorar a capacidade de atenção de algumas crianças com transtornos sensoriais que dificultam o processamento daquilo que vêm e ouvem, sugere uma pequena experiência.

Neste estudo, os investigadores focaram-se em 38 crianças que sofrem do chamado transtorno de processamento sensorial, uma doença que os torna invulgarmente sensíveis a coisas como o som de um autoclismo ou a sensação de uma etiqueta por baixo da camisola. A experiência também incluía um grupo de controlo de 25 crianças com um desenvolvimento normal.

Depois de quatro semanas a jogar jogos concebidos para ajudar crianças com problemas sensoriais, os investigadores descobriram uma melhoria significativa na capacidade de atenção num subconjunto de crianças com problemas sensoriais que também sofriam do transtorno de défice de atenção e hiperactividade.

“As crianças com transtorno de processamento sensorial apresentam diferenças nas ligações do cérebro,” explica Elysa Marco da Universidade da Califórnia São Francisco, a autora principal do estudo. “Pensamos que há diferenças nas ligações de modulação sensorial mas também no que chamamos controlo cognitivo, que inclui a capacidade de manter a atenção mesmo perante distracções", acrescenta.

A Universidade da Califórnia São Francisco e o Akili Interactive Labs estão a desenvolver o jogo que as crianças jogaram numa plataforma digital chamada Project: EVO. Os investigadores estão a estudar o EVO enquanto terapia para crianças com deficiências cognitivas, incluindo o transtorno de processamento sensorial e o transtorno de défice de atenção e hiperactividade.

Estima-se que uma em cada 20 crianças tem problemas de processamento sensorial. Dependendo dos seus problemas, eles podem ser tratados com terapia ocupacional para os ajudar a ficarem mais confortáveis com os estímulos que os perturbam, como barulhos altos ou luzes fortes, ou então podem ser ensinados a tornar-se mais sensíveis aos estímulos que ignoram, como a dor, o que os faz ter comportamentos imprudentes.

Este jogo também está concebido para ajudar a reforçar a forma como o cérebro processa e estabelece prioridades entre os pensamentos e os estímulos externos. Os jogadores ajudam uma personagem do jogo a orientar-se por caminhos sinuosos, evitando muros e obstáculos. À medida que melhoram, o jogo torna-se mais difícil.

As crianças que participaram no estudo tinham entre 8 e 11 anos. Os investigadores pediram-lhes que jogassem EVO durante 25 minutos, cinco vezes por semana, durante quatro semanas.

No início do estudo, 54% das crianças com problemas de processamento sensorial também sofriam de transtorno de défice de atenção e hiperactividade, com base nos sintomas relatados pelos pais, explicam os investigadores na revista científica PLoS ONE.

Depois de jogarem durante um mês, os pais de sete das crianças com problemas sensoriais e do transtorno de défice de atenção e hiperactividade relataram melhorias suficientes nos filhos para estes deixarem de se encaixar na definição clínica do transtorno de défice de atenção e hiperactividade, revelou o estudo.

Para além da dimensão reduzida e da natureza experimental do jogo terapêutico que está a ser testado, outras limitações do estudo incluem a falta de testes para comparar o EVO a um jogo placebo que não foi concebido para atingir resultados médicos específicos, indicam os autores.

“Pode-se avançar a hipótese de que qualquer jogo aleatório poderá ajudar”, diz Aaron Seitz, director do Riverside Brain Game Center for Mental Fitness and Wellbeing da Universidade da Califórnia.

“A chave para o sucesso deste estudo é que o jogo Evo foi concebido para treinar os jogadores para prestarem atenção de forma selectiva a estímulos-alvo e para ignorarem estímulos que distraem”, explics Seitz, que não esteve envolvido no estudo. Caso chegue ao mercado, poderá fazer mais sentido considerar o EVO como uma das intervenções comportamentais que se pode dar às crianças, além da medicação, acrescents. 

“O ideal é os medicamentos serem medidas temporárias que, juntamente com a terapia, podem ajudar as crianças a aprender a lidar com as suas doenças e depois, à medida que melhoram, eles podem deixar gradualmente de tomá-los”, avalia Seitz. “Apesar de haver alguma esperança de que este tipo de videojogo … possa vir a substituir os medicamentos, a perspectiva mais realista é que isto é uma ferramenta adicional que os médicos e os pais podem usar para melhorar os resultados [do tratamento].”