adriano miranda

Baleia Azul

Por que arriscam os jovens as suas vidas no jogo Baleia Azul?

Especialistas alertam os pais para estarem atentos aos comportamentos dos filhos e para dialogarem, mas sem proibir o acesso à Internet.

Foi há uma semana que Bárbara Ramos Dias, psicóloga em Oeiras, recebeu o primeiro alerta para o jogo Baleia Azul. Um adolescente ligou-lhe porque não sabia o que havia de fazer. Se não jogasse matar-lhe-iam os pais, disse. A psicóloga descansou-o. Já esta semana, outro jovem contactou-a por causa do mesmo jogo e da mesma ameaça.

A Baleia Azul tem cerca de meia centena de instruções – Tito de Morais, do projecto Miudos Seguros na Net, recusa-se a chamar-lhe “desafios” porque são “coisas terríveis” – que induzem quem adere ao jogo a praticar actos de automutilação. O fim último é o suicídio. Este jogo terá começado na Rússia e já se espalhou pelo mundo, tendo chegado agora a Portugal com o primeiro caso de uma jovem no Algarve que se atirou de um viaduto.

Quem são os jovens que aderem? Para Bárbara Ramos Dias, que trabalha com adolescentes e faz consultas através do skype, são apenas miúdos que “acreditam naquelas ameaças, têm medo que façam mal aos pais e, por isso, fazem tudo o que o jogo manda”.

Margarida Gaspar de Matos, especialista em saúde pública e responsável pelo estudo Health Behaviour in School-Aged Children, da Organização Mundial de Saúde, lembra que faz parte da adolescência querer arriscar e testar os limites, mas também aderirão os jovens mais “desorganizados e com menos perspectivas de futuro”.

Rosário Carmona e Costa, psicóloga especialista em adição à Internet, cyberbullying e psicologia da web, que publicou recentemente o livro iAgora? sobre as dependências das crianças e adolescentes dos ecrãs, é da mesma opinião e lembra as corridas de alta velocidade na ponte Vasco da Gama como um dos comportamentos de risco e de tentativa de testar limites. “Esta é a versão electrónica do experimentar álcool ou drogas pesadas, ou outras coisas em que arriscamos e testamos os limites”, acrescenta Margarida Gaspar de Matos.

Perguntas & Respostas sobre o jogo

“O que me espanta não é como surgiu o jogo, mas como as pessoas que o fizeram são tão conhecedoras do comportamento humano. O jogo parece uma coisa improvável [pedir a alguém que se automutile], mas quem o fez sabe que quem vai jogar entra num clima crescente que o faz não querer parar e continuar a arriscar”, reflecte a especialista. Além disso, o facto de ser online faz parecer que nada daquilo é real e os jovens têm uma “sensação de invulnerabilidade e de que não estão a correr um risco real”.

Bárbara Ramos Dias conta que um dos desafios é ouvir uma música psicadélica e subir a um prédio, ao mais alto possível. “É um jogo de manipulação”, define. E pode também ser de pressão social, avança Gaspar de Matos. Não esquecer que os adolescentes têm necessidade de pertença e de procurar a novidade, acrescenta Carmona e Costa.

A psicóloga que dá consulta no Cadin, em Cascais, lembra que tem havido outros jogos na Internet com propostas semelhantes: sítios onde os adolescentes são convidados a cortarem-se em conjunto, outros onde lhes propõem o choro colectivo, incentivam ao suicídio, ou “quem disser mais mal de si próprio é o melhor”. O jogo Baleia Azul é um “cocktail explosivo”, sobretudo para miúdos que acreditam que são invulneráveis, que o mal só acontece aos outros ou então para aqueles que têm défice de auto-controlo. “É comum os adolescentes pensarem que têm tudo sobre controlo e não têm”, analisa Carmona e Costa.

Mais tempo de família, menos de telemóvel

No livro iAgora?, Rosário Carmona e Costa analisa o comportamento dos pais quando os filhos têm um problema de dependência dos ecrãs e conta que, a maior parte das vezes, os pais demitem-se do seu papel por “acharem que não vale a pena intervir porque não são competentes para o fazer”. A psicóloga discorda desta atitude. “Os pais sabem o que é demais, o que é um comportamento que não se aceita. É importante que os filhos saibam que os pais estão a controlar os seus comportamentos. Os miúdos esperam isso dos pais”, defende.

Sentados à mesa, pais e filhos estão, cada um, nos seus telemóveis. O filho adolescente pode estar a ver a próxima proposta que o jogo Baleia Azul lhe faz que os pais não saberão pois também eles estão embrenhados no mundo virtual. Aos pais cabe estar atentos e “dotar os filhos de competências e regras”, aponta a psicóloga. “Os pais têm de preparar os filhos para saberem identificar um comportamento de risco, para saberem dizer ‘não’ e, se já estiverem dentro do jogo, para saberem pedir ajuda”, enumera Carmona e Costa.

Também Gaspar de Matos recomenda que não se ralhe nem se proíba o acesso às novas tecnologias, “isso é privá-los de estarem com os seus pares”. Em vez disso, há que estar atento, conversar – “conheces alguém? Como é que é esse jogo? Não achas que é um disparate?”. “É preciso que as famílias mostrem cumplicidade, é preciso uma grande serenidade por parte dos pais, mas sem proibir [porque se o fizerem] eles vão tentar”, alerta a especialista. “Eles fazem-no às escondidas, o jovem tende a esconder-se. Por isso, não vale a pena fazer um braço de ferro”, acrescenta.

A psicóloga Bárbara Ramos Dias pede aos pais para, além de dialogarem com os filhos, estarem atentos a outros sinais: ver constantemente o corpo dos jovens para ver se há sinais de corte, estranhar se andarem muito vestidos, observar se se isolam, se o comportamento mudou, se estão apáticos. “O melhor é falar sobre o jogo e dizer-lhe que é mentira, que alguém o criou para lhes fazer mal e transmitir-lhes confiança”.

No Brasil, conta Tito de Morais, foi criado o jogo Baleia Rosa com 50 desafios pela positiva. As famílias podem pegar nesse jogo e fazê-lo, propõe. Assim, em vez de a primeira indicação ser tatuar com uma faca na sua própria pele uma sigla, como pede a Baleia Azul, propõe-se escrever com uma caneta na "pele de alguém o quanto você a ama".

Os jovens precisam de ter um sentido para a vida, aponta Gaspar de Matos, algo que descubram que os faça ter satisfação. Precisam de fazer outras coisas que não seja estar só à frente de um ecrã, aconselha Carmona e Costa. “É preciso promover tempos de família que protejam os jovens de comportamentos de risco”, conclui.

Serviços telefónicos de ajuda e apoio ao suicídio

SOS – Serviço Nacional de Socorro
112

SOS Voz Amiga
(entre as 16 e as 24h00)
21 354 45 45
91 280 26 69
96 352 46 60

Telefone da Amizade
22 832 35 35

Escutar - Voz de Apoio - Gaia
 22 550 60 70

SOS Estudante
(20h00 à 1h00)

969 554 545

Vozes Amigas de Esperança
(20h00 às 23h00)
22 208 07 07

Centro Internet Segura
800 21 90 90 
Linha Internet Segura

Conversa Amiga

808 237 327

210 027 159

Telefone da Esperança

222 030 707