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Tendência

O sous-vide chegou à cozinha, já experimentou?

Cozinhar a baixa temperatura é como a alta-costura, só que conseguimos fazer em nossa casa.

Para ajudar o cozinheiro atarefado, há muito que existem promessas de fazer o jantar carregando num botão. No entanto, uma startup de São Francisco foi mais longe: eliminou o botão.

Usando uma máquina que se estreia no próximo mês, é possível determinar o conteúdo e as instruções de preparação de um saco de comida – marcado com uma identificação de radiofrequência – simplesmente ao passá-lo em frente do pequeno ecrã da máquina. Um lombo com jus de chalota e pimenta preta fica pronto depois de 30 minutos num banho-maria circulante e o seu sabor é fresco e delicioso. Basta abrir e servir.

Este aparelho é o Nomiku Sous Chef, um circulador de imersão que cozinha os alimentos em sous-vide, e as suas refeições preparadas já foram cozinhadas através do mesmo método, que envolve colocar ingredientes selados a vácuo num saco de plástico que é submerso em água; o aparelho aquece a água a uma temperatura precisa e pode guardar os alimentos a essa temperatura durante horas. Há anos que existem rumores de que a cozinha sous-vide está à beira de ser adoptada para uso doméstico. Mas 2017 pode ser, finalmente, o ano em que isto acontece. Os circuladores de imersão domésticos estão a ficar mais baratos, mais fáceis de usar e cada vez mais automatizados e há muitos cozinheiros com curiosidade em ver o que eles conseguem fazer.

Quando a comida preparada sous-vide se tornar mais prevalente, estas máquinas podem tornar-se tão populares como os microondas – uma grande evolução para um método de cozinhar que começou como técnica industrial, antes de ser promovido por chefs de cozinha; foram eles que transformaram o sous-vide naquilo que é hoje.

Mas as pessoas que mal sabem cozinhar e não têm muito interesse nisso podem fazer do sous-vide algo ainda mais importante.

“É tão óbvio,” diz a directora executiva e co-inventora do Nomiku, Lisa Fetterman. “Passar a comida em frente da máquina, fazer a leitura e colocá-la lá dentro? Não podia ser mais óbvio! Só se eu fosse a sua casa e lhe cortasse a comida.”

Como funciona?

Em primeiro lugar, as pessoas precisam de compreender a técnica. O sous-vide continua a ser um nicho: uma sondagem feita pela empresa de pesquisa do mercado Ipsos revelou que só 12% dos consumidores conheciam o termo. Devem aprender como se pronuncia: “su-VIDE” (significa “sob vácuo” em francês). E como funciona.

O Nomiku, por exemplo, é um aparelho volumoso, com 30 cm de altura, fixo, que parece uma misturadora de imersão. Pode ser usado para cozinhar refeições preparadas pelas pessoas que subscrevem o seu programa de refeições. No entanto, a maior parte das pessoas que já compraram um circulador doméstico cozinham do zero, selando a sua própria comida em bolsas. Quando estas são colocadas num recipiente com água e com o circulador, os alimentos selados podem ser cozinhados a qualquer temperatura até 95ºC, incluindo uma inferior à de um forno. Quando executado correctamente, o sous-vide produz uma cozedura homogénea e previsível – especialmente com carne.

Uma costeleta de vaca sem osso dentro de um saco selado não consegue atingir uma temperatura superior à da água que a rodeia, por isso sai sempre do saco no ponto exactamente médio – desde que programe a temperatura para os 55ºC. No interior do saco, os alimentos são cozinhados nos seus próprios sucos e os defensores afirmam que isto melhora o sabor e o valor nutritivo. Este processo funciona melhor com um selador a vácuo, mas pode simplesmente usar água para retirar o ar de um saco de congelação com fecho normal – usando um princípio que remonta a Arquimedes.

Há desvantagens. A cozinha sous-vide requer planeamento e não é instantânea. Os alimentos selados a vácuo não produzem os mesmos aromas deliciosos que enchem uma cozinha que são produzidos por um assado preparado numa panela. As carnes podem sair dos sacos com um aspecto cinzento e pouco apelativo e por isso é prática habitual selá-las posteriormente no fogão ou no grelhador.

Na década de 1990, “as pessoas diziam que estávamos a cozinhar os produtos num preservativo. Sabe como são os chefs, não têm papas na língua”, conta Felipe Hasselman, presidente da Cuisine Solutions, uma empresa de produção de alimentos sous-vide de Sterling, na Virgínia.

As origens do sous-vide estão na cozinha comercial – ele foi desenvolvido na década de 1960 para prolongar o tempo de conservação da carne de vaca e para impedir o foie gras de perder peso precioso ao ser cozinhado. Cozinheiros domésticos aventureiros copiaram este método de chefs de topo, incluindo Thomas Keller, do restaurante French Laundry, que popularizou o sous-vide no seu livro de 2008, Under Pressure, elogiando o “sabor explosivo” que é possível alcançar e fazendo a seguinte previsão: “Acredito que um dia isto será tão conhecido dos cozinheiros domésticos como assar ou fritar. Afinal, cozinhar no microondas também já foi desconhecido.”

Tanto sucesso como o microondas?

Não há nada mais fácil do que o microondas. Desenvolvido por acidente em 1946, quando a empresa militar Raytheon estava a estar um magnetrão de grau militar, ele conseguia cozinhar “uma costeleta de vaca de 2,72g em 3 minutos, um hambúrguer em 35 segundos e pão de gengibre em 29 segundos”, escreveu o New York Times em 1946. Mas era enorme, difícil de usar e caro – portanto, é claro que não foi um sucesso no início. Em 1973, menos de 5% das famílias americanas tinham microondas.

Mas, à medida que os consumidores começaram a compreender a tecnologia e o preço desceu, o microondas disparou. Em 1987, quase 80% dos lares americanos tinham um – na altura, ter este electrodoméstico em casa era mais comum do que ter uma máquina de lavar louça.

Há paralelos óbvios entre o microondas e o sous-vide. Ambos prometem ser fáceis de usar e Fetterman previu, num discurso num painel de tecnologia alimentar na South by Southwest, em Março, que o sous-vide vai crescer a um ritmo igualmente rápido. Os dois aparelhos tiveram aplicações científicas iniciais que foram depois adaptadas ao uso doméstico. Os circuladores de imersão também são usados em laboratórios científicos para manter as substâncias a temperaturas precisas. As pessoas estavam preocupadas com os efeitos para a saúde dos dois aparelhos: a radiação, no caso dos microondas, e os sacos de plástico, no caso do sous-vide (os especialistas dizem que, desde que estes sejam próprios para alimentos, não há qualquer problema).

Os primeiros circuladores estavam destinados a cozinhas comerciais e podiam custar mas de mil dólares (916 euros). Portanto, as pessoas que começaram a adoptá-los construíram os seus próprios circuladores, partilhando dicas em fóruns online, como o Reddit. Estes entusiastas eram, tendencialmente, homens. A sondagem da Ipsos revelou que 19% dos homens americanos conheciam este método, em comparação com 5% das americanas. Steve Svajian, director-executivo do popular circulador Anova, conta que, nos primeiros anos, 80% dos seus clientes eram homens (mas agora são 60%). Ele atribuía esta diferença de interesse entre os géneros a “esta mensagem de que se trata de tempo e temperatura, bem como matemática e ciência”. Como assim, as mulheres não sabem matemática? “Dizemos que a cozinha é a nova caixa de ferramentas,” conta Svajian.

Mas há mais aparelhos a entrar no mercado e o custo está a descer. Eles estão a tornar-se mais fáceis de usar – as aplicações associadas à maioria dos dispositivos, incluindo o Nomiku (199 dólares/182 euros), o Anova (147 dólares/134 euros) e o Joule (199 dólares/182 euros) orientam as pessoas ao longo das etapas dos cozinhados. (Os dois últimos oferecem controlo de voz integrado com a Amazon Alexa). Estão todos ligados a WiFi, por isso dá para controlar o aparelho à distância através do telemóvel – o que significa que, se conseguisse deixar tudo preparado antes de sair, poderia começar a cozinhar enquanto está a caminho de casa. Um aparelho prestes a entrar no mercado, o Mellow, consegue guardar os alimentos a frio durante o dia e começar a cozinhar de acordo com o seu controlo remoto.

“Este ano pode ser decisivo, porque se está a tornar mais acessível”, diz Adam Blank, vice-presidente de merchandising da divisão eléctrica da Williams-Sonoma. O Anova, que prefere usar o termo “máquina de cozinha de precisão”, vai lançar um circulador controlado por Bluetooth no valor de 99 dólares (90 euros), no fim deste ano.

O Anova de 99 dólares “é um investimento mais pequeno. As pessoas conseguem aderir a isto, em vez de pagarem 200 dólares (183 euros) por uma coisa que não sabem bem usar,” conta Derek Gaughan, que fundou o site Sous Vide Guy. “Penso que este Natal vai ser muito importante para a indústria.”

Não destrói a comida

sous-vide não se trata apenas de gadgets; o microondas também não. A introdução de comida preparada foi a chave para o sucesso do segundo – ao permitir ter o jantar na mesa em poucos minutos.

Há um senão: as refeições para microondas podem estar quentes de mais para comer de imediato e podem ficar empapadas. Isto não acontece com o sous-vide, que não “destrói” a comida – esta tem um sabor fresco, mesmo sendo congelada. É por isso que a Cuisine Solutions usa este método há muito tempo para preparar refeições para clientes que incluem grandes companhias aéreas, restaurantes e o exército. O seu sucesso mais recente, os ovos sous-vide do Starbucks, são responsáveis por apresentar esta técnica a um público mais alargado.

Mas a Cuisine Solutions também fabrica refeições preparadas como costeletas de vaca e ossobuco, que os consumidores podem comprar online ou nos hipermercados Costco. Estes podem ser reaquecidos no forno, no microondas ou em banho-maria.

“As pessoas não querem perder tempo a cozinhar do zero. Mas querem ser eles a dar o toque final numa refeição, para sentirem que ela lhes pertence”, diz Hasselmann.

São estes os consumidores a que Fatterman – que já trabalhou em restaurantes como o Babbo, de Marco Batali, e que apareceu no programa de televisão Shark Tank – quer chegar.

“Os millenials não querem comer refeições rápidas horríveis”, diz Fetterman. O microondas “ajudou muita gente, mas o tempo dele já passou”.

Os utilizadores do Nomiku – inicialmente, um grupo de teste de 100 famílias na Califórnia, antes do lançamento a nível nacional – compraram, inicialmente, um aparelho de 149 dólares (136 euros) e 80 dólares (73 euros) em refeições, mas, depois de gastarem 300 dólares (275 euros) em refeições, esse valor é creditado nas suas contas. O menu foi criado por um chef que já cozinhou na Jean-Georges and Bouchon Bakery em Nova Iorque. Quando chegar aos últimos quatro pacotes, o programa pode enviar-lhe mais automaticamente. Apesar de o Nomiku cozinhar automaticamente as refeições identificadas por radiofrequência, também é possível usar a máquina manualmente. A aplicação de Fetterman, Tender, e o seu livro de receitas Sous Vide at Home, ensinam-no a fazer isto.

O sous-vide já “tem o factor conveniência. Basta colocar a comida num saco, pô-la em água e já está,” explica ela. Agora que o Nomiku é o primeiro fabricante sous-vide a introduzir refeições preparadas que podem ser lidas por um scanner – tornando-se mais rápido e menos trabalhoso do que um serviço de subscrição de refeições como o Blue Apron – “foi uma espécie de boom: era isto que faltava”. No futuro, Fetterman espera vir a associar-se a fabricantes de comida para colocar nos supermercados comida pronta para o sous-vide.

Mas será que as pessoas que querem conveniência se importam o suficiente com a qualidade e a preparação para esperar 30 minutos ou mais (o tempo que pode demorar a cozinhar em sous-vide)? E, por outro lado: será que as pessoas habilidosas que adoptaram o sistema no seu início vão aceitar carnes pré-temperadas e refeições menos personalizadas? Talvez: uma pergunta frequente nos fóruns é sobre se uma pessoa pode cozinhar em sous-vide as embalagens de carne pré-selada e pré-temperada que encontram em supermercados. Resposta: Depende do plástico, mas geralmente esta prática não é recomendada.

Por estas razões, há quem esteja reticente em relação ao rótulo de “novo microondas”. Blank não tem a certeza se o sous-vide irá conquistar a geração mais velha. “A minha mãe cresceu com uma máquina slow-cooker na cozinha”, diz ele. “Não estou a ver a minha mãe a adoptar o sous-vide.”

Os millenials são diferentes. Os jovens com pouca experiência na cozinha “não têm hábitos estabelecidos em relação às ferramentas que utilizam”, diz Svajian. “Se tiver a receita da sua mãe ou da sua avó, tem menos probabilidade de adoptar uma forma nova de cozinhar.” E está menos interessado em ser ensinado por uma aplicação.

Mas os únicos obstáculos para os millenials são o tempo e as expectativas. Uma pessoa ocupada que quer refeições caseiras preparadas sem esforço e com qualidade de restaurante pode encontrar algo semelhante com o sous-vide, selado numa bolsa de plástico. Só podia ser mais fácil se fosse um robô a cozinhar para si.

“O meu objectivo é tornar a cozinha infalível, para as pessoas não se enganarem nas receitas, sentirem que não prestam na cozinha e nunca voltarem a cozinhar”, diz Fetterman. “É por isso que quis trazer o sous-vide ao grande público – para sentirem sempre que sabem cozinhar.”

PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Rita Vieira