Gravidez
Há grávidas para quem os enjoos são uma doença real
A hiperémese gravídica é uma doença que costuma ser descrita como enjoos matinais agudos, mas não acontece apenas de manhã.
Foi durante o segundo internamento de Jessica Beyer por causa de enjoos matinais agudos que o médico se sentou ao pé dela e lhe disse: “Estou consigo e vamos superar esta gravidez juntos.” “Senti que me tinham enviado um anjo”, diz Beyer.
No final, foi uma combinação de fluidos intravenosos, medicação para as náuseas e dentadinhas em bagels e Pop-Tarts que ajudou Beyer a gerir a doença, que durou até ter dado à luz um menino saudável em Dezembro de 2015.
A hiperémese gravídica (HG) é uma doença muitas vezes incompreendida que costuma ser descrita como enjoos matinais agudos, mas não acontece apenas de manhã. Pelo contrário, a HG é uma maratona de náuseas e vómitos que dura 24 horas por dia e que pode persistir durante o primeiro trimestre e, em muitos casos, durante toda a gravidez. As mulheres que sofrem de HG perdem mais de 10% do seu peso corporal durante este sofrimento e podem ser forçadas a ficar em casa sem direito a baixa médica, enquanto as famílias tentam a todo o custo cuidar delas.
“Podemos chegar a situações muito graves”, diz Miriam Erick, uma nutricionista do Brigham e Women’s Hospital em Boston, que há mais de três décadas trabalha com doentes que sofrem de HG. “A doença é muito difícil de controlar.”
Os profissionais de saúde e os doentes que estão na linha da frente do combate contra a HG querem que as pessoas saibam que esta doença não é nada normal e que certamente não é uma rejeição psicológica da gravidez, como costumava ser ensinado aos médicos. “Estas mulheres passam fome”, diz Erick. “A fome é uma coisa horrível.”
Quando Erick fala em passar fome, não significa que as grávidas estão esfomeadas, mas que sofrem de malnutrição grave, que também pode afectar os seus bebés.
Marlena Fejzo, uma investigadora na Universidade do Sul da Califórnia e na UCLA, teve HG tão grave que levou à perda do bebé, o que a inspirou a querer saber mais sobre a doença através da investigação genética. “Há qualquer coisa no corpo que cria um código para fazer algo errado”, explica Fejzo. “A observação dos genes é uma abordagem imparcial.”
Um estudo de 2010, conduzido por Fejzo, demonstrou que as mulheres com uma irmã que tenha tido HG tinham um risco significativamente mais elevado de vir a sofrer da doença – cerca de 17 vezes superior. Outro estudo, também da sua autoria, indicou que uma mutação no gene que sinaliza os vómitos no cérebro também pode aumentar o risco de hiperémese.
O assunto mais frustrante para Fejzo, Erick e outros profissionais de saúde que tentam compreender a HG é a falta de dados claros. Quase 60.000 norte-americanas são internadas com HG todos os anos e Kimber MacGibbon, que dirige a Fundação HER, uma rede de doentes com HG, profissionais de saúde e investigadores, estima que todos os anos há outras 378.000 mulheres se dirigem às urgências hospitalares com sintomas de HG. “Há tantas variáveis” no registo destes casos, diz MacGibbon, “que é quase impossível localizá-los.”
Para muitas das mulheres afectadas, a doença é um mistério total. Para piorar a situação, por vezes os médicos também não sabem nada sobre a HG, o que significa que elas podem não receber um diagnóstico apropriado. “A hiperémese é uma doença tão verdadeira como qualquer outra”, afirma Marikim Bunnell, uma ginecologista-obstetra do Brigham e Women’s Hospital.
“Por vezes ninguém ouve estas mulheres. Como médicos, temos de fazer as perguntas certas”, aconselha Bunnell. “Não é normal a mulher vomitar ao ponto de ficar desidratada. Ela está a perder peso e ao mesmo tempo não urina? Tem sintomas de desidratação ou de atrofia muscular?”, enumera a especialista.
As quatro gravidezes de Barbara Phal foram todas marcadas pela HG. “A minha primeira gravidez foi um inferno”, conta Phal, que vive em Ceres, na Califórnia. “Os médicos não faziam ideia do que se passava comigo, por isso estavam constantemente a internar-me no hospital.” Perdeu 23 quilos só durante o primeiro mês, em que não conseguia tolerar comida, líquidos, movimentos, luzes ou cheiros, ao mesmo tempo que vomitava sangue e bílis depois de beber um gole de água. “Senti que ia morrer”, lembra.
Só quando Phal estava grávida de seis meses e foi novamente hospitalizada é que um médico interno, de passagem pelo quarto dela, sugeriu que fosse transferida para a maternidade. “O hospital nunca tinha considerado a hipótese de que o meu problema podia estar relacionado com a gravidez”, aponta. Depois de aguentar meses de naúseas sem parar, Phal recebeu rapidamente o diagnóstico de HG e foi-lhe receitada medicação para ajudar a controlar os vómitos.
“A doença toma conta de todo o nosso pensamento”, conta por seu lado Kari Felkamp, de Streamwood, no Illinois, que teve HG durante três meses no ano passado, o que a levou a passar 17 dias no hospital e a perder 12 quilos. “Sou uma pessoa extremamente feliz e optimista e nunca passei por um período tão negro.”
“Penso que as pessoas vão começar a aperceber-se de que precisamos de abordar este tema”, considera Fejzo. “Para além do que acontece com as mulheres, esta doença tem efeitos negativos nas famílias, nas empresas e na economia.”
A certa altura, depois da segunda ida de Beyer às urgências em menos de 24 horas, o marido voltou-se para o médico e disse: “Isto é uma loucura, não é seguro levá-la para casa. Temo pela vida dela e pela vida do meu filho.”
Beyer também estava com medo. “Mandei mensagens aos meus pais a dizer-lhes que, se eu morresse, queria que soubessem que gostava muito deles.” Como precisava de cuidados constantes, a mãe mudou-se para sua casa na Pensilvânia durante quatro semanas e levou-a para a Carolina do Sul durante outras seis, para que o marido pudesse ir trabalhar.
Como viveu em três países diferentes durante quatro gravidezes com HG, a experiência de HG de Jennifer Behern é, provavelmente, diferente da maioria dos casos. “Na Alemanha, achei que os cuidados de saúde eram óptimos, no sentido em que o médico compreendia até certo ponto e tentava rapidamente estabilizar-me”, revela. “Em Itália, foi um pesadelo. Parecia que estavam sempre a dizer que era tudo imaginação minha.”
Actualmente a viver nos arredores de Toronto, Bahen deu à luz o seu quarto filho recentemente e aponta que o seu médico actual foi a sua salvação. "Era calmo e sabia que, depois do meu historial de HG aguda, eu precisava de medicação. Desta vez, porque atacámos a HG muito cedo, ela foi gerida e ficou estável a partir das 19 ou 20 semanas.”
A medicação parece ser muitas vezes um obstáculo para os médicos, que se preocupam com a possibilidade de malformações. “Há vários problemas no tratamento de uma grávida e a segurança é um deles”, nota Fejzo. “Mas há intervenções que são comprovadamente seguras”, acrescenta.
Algumas das intervenções recomendadas pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia incluem a combinação de doxilamina (um anti-histamínico não sujeito a receita médica), vitamina B6 (que comprovadamente reduz em 70% as náuseas e os vómitos durante a gravidez) e Zofran (um medicamento antiemético normalmente usado para controlar as náuseas em doentes que fazem quimioterapia).
“Para algumas pessoas, o Zofran é um milagre”, diz Bunnell. Apesar de a empresa GlaxoSmithKline, que fabrica o Zofran, ter sido alvo de processos que alegam malformações como fendas palatinas e malformações cardíacas, um estudo publicado por Fejzo não encontrou nenhuma correlação entre este medicamento e malformações congénitas.
O Zofran está aprovado para o tratamento de náuseas provocadas pela quimioterapia, mas os médicos também o receitam, de maneira não autorizada, a grávidas. A Food and Drug Administration classifica-o como um medicamento de Categoria B, o que significa que foi testado em animais mas não em pessoas, e avisa que “este medicamento só deve ser usado durante a gravidez quando for claramente necessário”.
Bunnell perfere começar por intervenções sem recurso a fármacos, como ajustar a dieta da mulher, administrar fluidos intravenosos e diminuir as horas de trabalho. “O meu objectivo não é que se sintam bem, mas conseguir que vomitem menos”, diz.
Para Erick, o importante é descobrir padrões entre os factores que desencadeiam os sintomas. “Normalmente, as mulheres acabam escondidas num quarto escuro, o mais longe possível da cozinha. Sem luz, sem cheiros, sem barulho.” Eric diz que todas as doentes de HG têm uma relutância natural em comer, depois de semanas a vomitar sem parar. Portanto, o importante é ouvi-las e não fazer juízos de valor: se a doente está disposta a dar umas dentadinhas num chocolate ou a beber um golo de refrigerante, Erick não tem problemas em fornecer-lhes isso.
“Uma vez tive uma doente que disse que tinha desejos de comer tater tots congelados”, conta Erick. “E queria comê-los mesmo congelados, sem serem cozinhados. Corri para a cantina e trouxe-lhe batatas fritas congeladas – era o mais parecido que encontrei com tater tots – e pu-las num prato com ketchup a acompanhar.” Quando as batatas fritas congeladas chegaram, a doente conseguiu comê-las e, mais importante do que isso, não as vomitar. “Ela sabia exactamente o que ia resultar, mas não queria dizer-me porque era uma comida esquisita”, acrescenta a médica.
Depois da provação que é a HG, chega, é claro, um bebé – que muitas vezes nasce perfeitamente saudável, apesar de a Fundação HER dizer que pode haver possíveis atrasos de desenvolvimento e outros problemas em crianças cujas mães tiveram HG. Normalmente, as náuseas e os vómitos acabam quase de imediato depois de a mulher dar à luz.
“Em termos emocionais, fiquei muito contente por as náuseas terem desaparecido”, diz Sharaya Greathouse, que está grávida do terceiro filho e que teve HG durante as duas gravidezes anteriores. “Voltei a comer como uma pessoa normal logo no dia do parto.”
“Foi um alívio enorme – e, além disso, tinha um novo bebé lindo. Podia pegá-lo ao colo e criar laços com ele, o que também me animou.”
PÚBLICO/The Washington Post