Dia dos Namorados
“O mundo nunca foi simpático para os solteiros”
Não ter namorado não significa que não se celebre o amor ou que se seja infeliz. Mas neste dia o mundo é especialmente mau para os solteiros.
Pouco depois do Ano Novo começa o bombardeamento publicitário com “o presente perfeito para a sua cara-metade” ou “o destino ideal para uma escapadinha a dois”, comenta Elsa, 38 anos, solteira. E continua, num relato bem-humorado: “No próprio dia, a televisão invariavelmente escolhe uma programação romântica (se tivermos muito azar, apanhamos uma maratona de filmes baseados em livros de Nicholas Sparks ou de John Green!).”
Elsa sente-se mais pressionada quando vai a casamentos do que propriamente no Dia dos Namorados, mas sabe que “o mundo nunca foi muito simpático para os solteiros”. Nesta data então, o mundo “consegue ser especialmente mau”.
As visitas à aldeia dos avós, “onde todos são família”, também têm os seus quês, mas esta assistente administrativa, que está de bem com a vida, sabe que a preocupação de familiares e amigos é também uma manifestação de amor. “Todos nós queremos o melhor para aqueles que amamos, queremos que sejam felizes. O problema é que a definição de felicidade não é igual para todos”, diz ao Life&Style via e-mail. Para concluir: “Nem todas as pessoas precisam de ter um namorado (um pré-cônjuge) para ser felizes.”
Ainda que considere que o 14 de Fevereiro é acima de tudo “uma desculpa para se vender mais chocolates e lingerie”, não tem “qualquer problema com a existência de um dia em que as pessoas apaixonadas celebram o seu amor”. Mas frisa: “É a escolha delas e eu respeito-a, tal como gosto que respeitem as minhas escolhas.”
Um dia de “alerta”
Amamos por calendário? Faz sentido existir um dia que comemora o amor romântico?, perguntámos à terapeuta de casal Margarida Vieitez. Resposta: “Parece-me que faz sentido, na medida em que realça a importância do namoro, independentemente da idade, estado civil ou duração da relação. Não amamos por calendário, mas o Dia dos Namorados pode servir para os casais se perguntarem: há quanto tempo não saímos só os dois? Há quanto tempo não conversamos sobre nós? Há quanto tempo não namoramos?”
A também mediadora familiar diz que, “apesar de ser um dia como outro qualquer, funciona como ‘alerta’ ou ‘chamada de atenção’, para os dois se lembrarem mais vezes de namorar” e acredita que “um Dia dos Namorados semanal acabaria com metade dos divórcios”.
Mas é ou não possível ser-se feliz sozinho (sem parceiro/parceira)? “Sim, é possível. Aliás, estar sozinho, tranquilo, sentir-se bem consigo próprio e com os outros, são excelentes indicadores no que respeita a uma futura relação. A probabilidade de vir a ser uma relação saudável e satisfatória é muito maior”, diz a psicóloga. E prossegue: “A outra pessoa não é responsável pela sua felicidade. Ela apenas o pode fazer sentir-se ainda mais feliz. A qualidade das suas relações depende muito do modo como as perspectiva. Como relações ou como ‘tábuas de salvação’.”
Teresa Ribeiro, 39 anos, assistente editorial e solteira, também está convicta de que se pode ser feliz sozinho:
“Claramente, apesar de não sermos ilhas, mas temos de aprender a ser e a estar sozinhos para sabermos bem o que queremos para nós. E depois podemos sempre ter relações mais voláteis que também são importantes para descobrirmos o que desejamos, e que fazem parte do nosso percurso e descoberta enquanto seres que precisam sim de amar e de ser amados para serem felizes.”
Voltamos a Elsa, que defende: “A nossa felicidade depende daquilo que queremos para nós. Podemos ser felizes sozinhos e infelizes acompanhados. Ambas as situações têm aspectos positivos e negativos. O grande argumento a favor de termos um parceiro é não estarmos sozinhos, mas estar sozinho não é o mesmo que estar só.”
Fala do que sabe, já que “tem uma vida preenchida com amigos, família, trabalho, actividades, interesses”, logo, não tem tempo para se sentir só. E diz mais: “Sabe tão bem ter algum tempo para nós próprios, em que só fazemos aquilo que queremos!”
Pressão familiar e social
Por amor, expectativa ou tradição, a verdade é que a família pressiona e questiona, sobretudo as mulheres. A sociedade também: “Sinto a pressão, ignorá-la seria não olhar e não entender a sociedade portuguesa, ainda muito assente nos valores católicos, mas, talvez porque a minha educação, as minhas leituras bem importantes em literatura de género, o meu percurso de vida e as minhas relações assim o determinaram, não permito que essa pressão condicione a minha felicidade e o que procuro para mim.
E essa libertação da pressão externa, criada muitas vezes por uma cultura maioritariamente masculina, tem de ser feita de dentro para fora, e talvez ou sobretudo num processo de aliança e de solidariedade feminina.”
Palavras de Teresa Ribeiro, que considera que o melhor argumento para a família é a felicidade. “Nenhum dos nossos deseja e nem pode permitir que alguém esteja semifeliz numa relação só porque se tem medo de estar sozinha ou porque a família pressiona para se ter alguém, pois caso contrário se é menos mulher. Mas será que ela será mais mulher por estar infeliz numa relação que não a completa? Não me parece.”
Diz a psicóloga: “O mais importante não é ter namorado. O mais importante é estar vivo, ter saúde, ter as necessidades básicas satisfeitas e sentir-se feliz e em paz. Algumas famílias esquecem-se do que é realmente importante na vida e trocam as prioridades. Dão mais importância a crenças, mitos e ao que os outros possam pensar e comentar, exercendo uma pressão completamente despropositada. Essa, sim, pode ter consequências desastrosas sobre a saúde mental dos seus filhos e levá-los a namorar e a casar com quem não gostam nem querem.”
Namorar não é sinónimo de felicidade
Por tudo isto é que Margarida Vieitez argumenta: “Namorar não é sinónimo de felicidade. Existem muitas pessoas que namoram e não são felizes. Os pais devem desejar que os filhos sejam felizes, não que namorem, casem ou tenham filhos. Devem respeitar as suas escolhas e decisões, mesmo que elas passem pela decisão de não querer namorar, casar ou ter filhos.”
E o que se pode dizer aos mais jovens, que nunca namoraram, se sentem rejeitados e sós, e que neste dia vêem corações por todo o lado e parzinhos em grande enlevo amoroso? Margarida Vieitez, autora dos livros Pessoas Que nos Fazem Felizes e SOS Manipuladores (Esfera dos Livros), sugere que se lhes explique: “Namorar, casar, ter um companheiro, é uma parte da sua vida. Não é toda a sua vida.” Até porque, “na origem de um possível sentimento de solidão ou rejeição, pode estar uma vida pouco significativa em termos de relações com a sua família, com os amigos, a falta de um projecto de vida, dependência ou baixa autoconfiança e auto-estima”.
O plano é: “Descubra-se, reinvente-se, revitalize-se, cuide-se emocional e fisicamente, divirta-se, ame-se ainda mais... Um dia esse amor vai chegar. Até lá, namore consigo. No dia 14, faça algo que lhe dê realmente prazer e descubra como é bom estar consigo!”
Se para Elsa o Dia dos Namorados é indiferente, para Teresa é divertido: “Com ou sem companheiro sempre me divertiu. Além do mais, serve para dinamizar a economia. O mal não está no Dia dos Namorados, está no que muitos só fazem no Dia dos Namorados. É mais ou menos como o Natal!”
Só por curiosidade
— Os solteiros portugueses correspondem, segundo os Censos, a 40,4% da população adulta (o que não significa exactamente que não tenham namorado/a);
— Existe um grupo (não fechado) no Facebook com a designação Solteiros de Portugal, que se apresenta assim: “Quem nunca ouviu a frase ‘melhor só que mal acompanhado?’ Pois bem, a frase é o grito de guerra da categoria dos solteiros, que, assim como tantas, tem a sua data a ser festejada em 15 de Agosto. Assim como acontece com o dia deste ou daquele, o Dia do Solteiro(a) faz parte do calendário nacional. Solteiro ou casado vale a pena viver feliz. Pois, no fundo, todo o homem ou mulher que hoje tem a sua família um dia pode comemorar os bons tempos de solteiro” (até esta segunda-feira contava com 3979 gostos);
— Não conseguimos depoimentos de homens solteiros para este artigo (mas temos pena).