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Em livro, as Maravilhas da Gastronomia são 70 mais 10

Para além das 21 vencedoras do concurso das Maravilhas da Gastonomia portuguesa, o livro agora editado apresenta todas as pré-finalistas e dez receitas novas, feitas por chefs, que se inspiraram nas várias regiões de Portugal.

Depois do concurso, o livro oficial das Maravilhas da Gastronomia de Portugal. Coordenado por Hugo Campos (colaborador do PÚBLICO, responsável pela secção de receitas), o livro, que acaba de ser editado por A Bela e o Monstro e a Imprensa Nacional Casa da Moeda, não se limita às sete vencedoras, ou às 21 finalistas, mas apresenta as 70 receitas tradicionais que foram pré-finalistas no concurso, e ainda dez receitas de chefs inspiradas nos produtos e regiões portugueses.

Muito foi dito na altura sobre o concurso, no qual votaram perto de 900 mil pessoas – Luís Segadães, presidente da empresa Sete Maravilhas, diz que foi o mais concorrido dos que já realizou e aquele que despertou mais paixões. Mas houve críticas – por exemplo pela inclusão de uma marca comercial, os Pastéis de Belém, ou do Queijo da Serra como entrada, ou ainda de uma receita que não é conhecida na região que é suposto representar, a do Coelho de Porto Santo à Caçador.

Em alguns casos, o livro não esconde a polémica. O texto sobre o Coelho de Porto Santo esclarece que, apesar de no concurso ter sido descrita como “uma referência gastronómica e cultural da ilha”, a receita original “terá caído no esquecimento e poucos madeirenses reconhecem o prato” que foi recuperado para o concurso por Octávio Freitas, chef executivo do Hotel Four Views Baía & Oasis, no Funchal. E assume que até a Confraria Gastronómica da Madeira ficou surpreendida pela escolha, embora esteja agora “empenhada em recuperar a tradição”. Já a polémica do Queijo da Serra como entrada ficou ultrapassada porque no livro se optou por não apresentar os pratos e produtos por categorias.

Mas muito se falou, na altura do concurso, dos pratos finalistas e dos vencedores. A grande mais-valia deste livro é trazer a história e as receitas dos outros 50 pratos. Muitos dirão que isto permite compensar algumas injustiças que terão sido cometidas na escolha – o que, na verdade, seria sempre difícil de evitar num concurso deste tipo.

A Madeira tem agora a oportunidade de falar do Bolo do Caco e do Bolo de Mel, das Lapas da Madeira, da Sopa de Castanhas, do Bife de Atum à Madeirense e da Espetada de Carne de Vaca em Espeto de Pau de Louro, entre outros. Dos Açores, por exemplo, em que o finalista foi o Polvo Assado no Forno (uma escolha que também não foi consensual), aparecem agora as Sopas do Espírito Santo, a Alcatra da Ilha Terceira, o Ananás ou as Cracas Cozidas.

O Alentejo, que foi das regiões mais injustiçadas, dado que só a Açorda à Alentejana chegou às finalistas, apresenta aqui Migas Alentejanas, Sopa de Cação, Pezinhos de Coentrada, Arroz de Pombo-Bravo com Hortelã e, nos doces, a Encharcada do Convento de Santa Clara, o Pão de Rala e a Sericaia. Muitos algarvios também se sentiram pouco representados por apenas o Xarém com Conquilhas ter chegado à final. O livro presta agora homenagem ao Arroz de Lingueirão, aos Percebes de Aljezur ou à Muxama de Atum.

Lisboa e Setúbal, que apesar dos protestos vindos do Norte conseguiram ficar como representantes dos Pastéis de Bacalhau (e tiveram duas maravilhas vencedoras, a Sardinha Assada e o Pastel de Belém), mostram a Açorda de Sável, as Ostras do Sado e o Cozido à Portuguesa (que muitos também consideraram outro grande injustiçado deste concurso, por não ter sequer chegado aos finalistas).

Se a Estremadura e o Ribatejo estavam muito bem representados – dois pratos, a Sopa da Pedra e o Arroz de Marisco, entre os finalistas, sendo que o Arroz foi vencedor - , já a Beira Interior conseguiu o reconhecimento da Perdiz de Escabeche e do Queijo Serra da Estrela (vencedor), e mostra agora os Espargos com Ovos e a Canja de Borrego.

Mais a Norte, cada região teve uma maravilha vencedora. A Beira Litoral teve o Leitão da Bairrada, mas conseguiu que se falasse também muito da Chanfana e dos Pastéis de Tentúgal. Agora, no livro, apresenta os Ovos-Moles de Aveiro, o Camarão da Costa da Figueira ou o Coelho à Caçador. A maravilha de Trás-os-Montes e Alto Douro foi a Alheira de Mirandela, mas aqui aparecem também, entre outros, a Posta Mirandesa, o Caldo de Cascas, a Bola de Lamego ou a Feijoada de Javali. Por fim, o Entre Douro e Minho. O Caldo Verde venceu, as Tripas à Moda do Porto, Bacalhau à Gomes de Sá e o Pudim Abade de Priscos foram finalistas, e agora recupera-se ainda o Bacalhau à Zé do Pipo e o Arroz de Lampreia.

A outra grande mais-valia deste projecto são as receitas dos chefs. O livro está dividido por regiões e cada chef propõe um prato inspirado por uma região – há também uma pequena biografia de cada um, explicando a relação com a respectiva região e a forma como ela o inspirou. Para o Entre Douro e Minho, Jerónimo Ferreira recupera “o costume minhoto de se acompanhar o pão agridoce típico de Avintes com a sardinha”, e faz uma tosta de broa de milho com filete de sardinha e queijo de cabra gratinado, tomate cherry bio e puré de azeitona.

Trás-os-Montes e Alto Douro é território de José Cordeiro, que escolhe a posta de vitela à mirandesa como “um dos pratos que melhor representa a região” e que lhe traz à memória sabores de infância. Luís Baena ficou com a Beira Litoral e cruzou sabores, criando uma chanfana em que a carne de cabra é substituída pela de lampreia, com enguia fumada e arroz. Para a Beira Interior, o alentejano José Júlio Vintém propõe um arroz de carqueja com bochecha de vitela, enquanto na região da Estremadura e Ribatejo Henrique Sá Pessoa desenha um artístico (é preciso ver a foto para se perceber) lombinho de borrego com migas, espargos e tomates.

Lisboa e Setúbal couberam a José Avillez, que se inspirou nos sabores marítimos, fazendo uma “fogueira comestível” com galhos de pão e alecrim para um prato com um longo nome: Na praia, numa fogueira, samonete assado com migas de choco com tinta e molho dos fígados. No Alentejo, António Nobre aposta num valor seguro, as migas alentejanas, enquanto no Algarve, José Pinheiro homenageia os produtos locais com uma cataplana de polvo de Sagres com batata-doce de Aljezur.

Vítor Sobral explora os ingredientes dos Açores para criar uma alcatra de peixe à minha maneira, com cherne e, entre várias outras coisas, maracujá. E, por fim, para a Madeira, um chefe pasteleiro: Carlos Valente, que durante dez anos chefiou a pastelaria do Reid’s Palace, cria um trio de degustação, com creme brulée de Bolo de Mel, verrine de chocolate com compota de banana-prata aromatizada a canela, e uma mousse de manga aromatizada com hortelã.