Na ponta da língua
A Piña Colada: como colar um ananás ao seu coração, deixando o álcool para segundas núpcias
Há cocktails em que o álcool é secundário. É o caso do Bloody Mary e da Piña Colada. Os bons profissionais fazem questão de dar a provar a mistura de sumo de tomate, pimentas, molhos e sumo de limão que determina a qualidade do Bloody Mary. É só acrescentar vodka -— ou gin.
Aquela mistura — a que chamam um Virgin Mary, por não ter álcool — não é a “base” do Bloody Mary. É o próprio Bloody Mary. Só falta o álcool que deve ser calibrado pouco a pouco, como tenho aqui defendido.
Com a Piña Colada é a mesma coisa. O principal é conseguir uma bebida excelente que misture sumo de ananás, coco e natas frescas. Há quem esqueça as natas mas a bebida fica muito magra sem elas.
Pode usar sumo de ananás em lata ou garrafa. Há versões da Piña Colada que insistem em ananás fresco que depois se congela durante umas horas. Se pensa que dá muito trabalho, é verdade. Mas é delicioso, para além de ser divertido.
Mais uma vez, esqueça o rum. O propósito é arranjar maneira de combinar o ananás e o coco. O perigo é ficar doce demais porque a doçura esconde os sabores do ananás e do coco.
Se tiver um bom liquidificador, capaz de partir gelo, um Frozen Piña Colada é irrecusável. Encha o copo de gelo e de ananás de São Miguel cortados aos pedacinhos e congelados. Deite uma medida igual de leite de coco e de natas frescas por duas medidas de um bom rum branco.
Deixe a máquina reduzir tudo a uma papa congelada. Use uma palhinha para chupar o líquido geladinho.
Pode-se fazer bebidas geladas com gelo picado mas não fica tão bom por causa da diluição. A diluição é o que estraga as Piña Coladas. Ajuda ter todos os líquidos e copos frios. O rum pode residir no congelador.
Eu gosto de fazer Piñas Coladas com batida de coco em vez de leite ou água de coco. A batida de coco tem 16 graus de álcool, ajudando o sabor e defendendo a bebida da diluição. Só não aconselho fazer com Malibu porque tem um gosto horrendo, doce e artificial.
As receitas americanas dependem de um leite de coco mexicano que também é muito doce. Os americanos gostam muito mais de açúcar do que os europeus pelo que é preciso fazer o desconto no que toca a xaropes, açúcar ou ingredientes açucarados.
Se não está para grandes pesquisas, é pena. É um prazer equilibrar ananás, coco e natas. Pode-se acrescentar, para contra-atacar a doçura excessiva, um bocadinho de sumo de lima e uns golpes de Angostura bitters.
A Piña Colada é uma bebida que é pessoal. Se gosta dela muito doce, força. Se gosta mais para o ananás, quem é que está a desrespeitar? Ninguém. Mesmo na escolha de runs —há tantos tipos, de tantas idades — tudo depende do gosto e da bolsa. Há muitas pessoas que misturam quatro runs diferentes.
Há quem goste de complicações. Ou só goste em certas alturas. A versão mais simples e preguiçosa da Piña Colada é feita com sumo de ananás da Compal, natas frescas Longa Vida, rum branco (por exemplo, Havana Club) e batida de coco Mangaroca. Comece pela proporção 1-1-1 até chegar à perfeição. Só nessa altura é que deve acrescentar o rum.
Experimente primeiro com 2 medidas de rum (a 40 graus) e, conforme achar a bebida pouco ou muito quente, vá ajustando até ficar como quer.
Pode-se fazer um litro ou mais de Piña Colada virgem, para guardar no frigorífico. Assim basta acrescentar as natas e o rum quando for altura de fazer a Piña Colada adulta. Se a mistura estiver muito feita é bem possível que a versão alcóolica seja inferior à virgem. Nesse caso, o rum terá de ser de muito boa qualidade para fazer diferença.
Só vale a pena fazer sumo de ananás se o ananás for muito bom (como o de São Miguel). É preciso filtrar — o que é chato. Não vale a pena fazer sumo de abacaxi. Não use ananás de conserva: só sabe a açúcar.
Cuidado com os leites de coco que há por aí, feitos para cozinhar. A água de coco é aguada demais. Quanto às natas, só as frescas valem a pena. Se não tiver, mais vale fazer sem natas, usando o gelo picado para espessar.
A Piña Colada perfeita ainda está por inventar.