Na ponta da língua

Um hino aos jaquinzinhos bem acompanhados com assobios para as más companhias
De repente, aproveitando a abébia de Bruxelas, começam a aparecer jaquinzinhos verdadeiros nos mercados portugueses.
Os jaquinzinhos são um milagre ou, pelo menos, uma questão de sorte. Se são pequenos de mais são só fritura e não sabem a carapau. Se são maiores — quase pelins — já não ficam totalmente estaladiços e são menos deliciosos de comer inteiros.
Os jaquinzinhos são um crime porque são apanhados muito antes de se reproduzirem. Talvez tivesse sido melhor manter a proibição e fazer vistas grossas do que autorizar a pesca.
Os jaquinzinhos são um luxo: come-se um cardume ao almoço. Tal como as cerejas, são difíceis de interromper. Só quando a travessa fica vazia é que a mão pára quieta.
Uma das discussões mais agradáveis enquanto se comem jaquinzinhos é acerca dos arrozes. Será melhor um de tomate ou um de feijão? Quando o tomate está bom, como começa a estar agora, um arroz de tomate é irresistível, até porque já são muitas as saudades.
Caso se esteja a comer um arroz de tomate, um bom tema é a secura ou caldosidade do arroz. Pela parte que me toca, estou farto de arrozes molhados, caldosos ou malandrinhos. O molho é muitas vezes sinal de preguiça, falta de medição e vontade de encher facilmente o olho. Também é lamentável que se abuse do refogado e, sobretudo, do louro nacional e do alho importado. O nosso arroz carolino tem um sabor que precisa de ser protegido. A combinação com bom tomate é imbatível. Outro horror, cada vez mais frequente, é a correcção da acidez do tomate com açúcar, dando grotescos arrozes doces e alhados, a nadar em sumo de lata de tomate pelado.
Um arroz de tomate sequinho, a saber a arroz e tomate, sem caldos batoteiros ou truques da avó, é cada vez mais difícil de encontrar.
Dizem-me que é por ser mais difícil de reaquecer. Será? Outros falam nos perigos reais e tóxicos de aquecer arroz frio. A melhor maneira de aquecer arrozes secos é com uma colher de sopa de azeite numa frigideira. Vai-se fritando e alourando, virando o arroz de minuto a minuto, para renová-lo. Depois come-se quente e tostadinho. Qual é o problema?
Dito isso, um arroz de feijão também tem que se lhe dizer. Muito depende do feijão. Entre nós, infelizmente, preside a noção que feijão é feijão, como se o feijão não crescesse e tivesse época. O feijão quer-se o mais fresco possível, para não ficar rijo e cheio de água. Pergunte-se, no mínimo, que feijão é, de onde é e de que colheita se trata.
Os bons arrozes de feijão são feitos no momento com feijão recente. O mesmo se pede de um sempre bem-vindo arroz de grão.
E açorda? Uma açorda de tomate ou de ovas, por exemplo, fica bem com jaquinzinhos. Não havendo açorda, uma fatia de um bom pão de trigo, com pouco tempo desde que saiu do forno, também empurra bem os jaquinzinhos.
Importantíssimo com os jaquinzinhos é uma ou mesmo duas saladas. Em vez das saladas mistas, é mais delicioso comer saladas separadas, cada uma só com cebola: uma de tomate, outra de alface, outra de pimentos, outra de pepino. Separar as saladas e temperá-las separadamente (umas com mais vinagre, outras só com azeite) permite que as juntemos, conforme quisermos, nos nossos pratos.
Uma salada de feijão frade, com cebola, sal, azeite e vinagre é outro belo acompanhamento para jaquinzinhos.
O tempo dos jaquinzinhos passa num instante. Os sobreviventes crescem e tornam-se carapauzinhos. Aqui é um péssimo costume chorar por já não serem jaquinzinhos. E daí? Continuam a ser muito bons para fritar. Os carapaus são deliciosos seja qual for o tamanho deles. Agora que estamos no Verão podemos começar a sonhar com o aparecimento dos sublimes carapaus dourados e chicharros, cheios de gordurinha salvífica.
Uma das razões da popularidade dos jaquinzinhos é o facto de serem fresquinhos e de serem fritos cuidadosamente, para não queimar. Se fizéssemos assim com todos os peixes e não usássemos a fritura para disfarçar (inutilmente) o facto de ter passado a data para cozer ou grelhar, não haveria tanta pressão sobre os jaquinzinhos. Eis, por exemplo, dois peixes exímios para fritar: besugos e cantaril.
À custa dos jaquinzinhos podem fazer-se muitas festas de peixe frito: isto é, de bom peixe, bem frito. Nem mais.