Restaurante A Petisqueira  Restaurante A Petisqueira Miguel Manso

Na Petisqueira de Alcabideche, o passado é presente e pode-se comer, sem pagar mais por isso, como se não houvesse amanhã

Abrem restaurantes novos todos os dias e isso é bom. Mas quantos desses novos restaurantes se dedicam à cozinha tradicional portuguesa?

Num sopro de criatividade, inovação, coragem e cosmopolitismo, as nossas cidades oferecem-nos cada vez mais oportunidades de variar e descobrir. Ao mesmo tempo, é cada vez mais difícil encontrar um restaurante que seja bom, barato e tradicional que tenha peixe fresco, carne deliciosa e uma escolha generosa de pratos tradicionais portugueses.

Aqueles que há tendem a ser sobreviventes. São bons e populares há muitos anos. Chegaram aos nossos dias porque conseguiram estar sempre cheios dos clientes mais difíceis de satisfazer: aqueles que têm muita fome e pouco dinheiro, como é o caso dos operários e trabalhadores que almoçam estritamente ao meio-dia.

Não é preciso ler jornais ou estar a par das últimas novidades para descobrir um bom restaurante. Cá, tal e qual como no estrangeiro, procuram-se casas que estão cheias de todas as espécies de gente. As mulheres são uma presença que garante qualidade. Também os homens sozinhos, que estão lá só para comer e não têm ninguém para impressionar, costumam ser uma recomendação infalível.

O restaurante A Petisqueira, em Alcabideche, é um desses restaurantes maravilhosos. É grande e barulhento e está sempre cheio de fiéis, de garfo em punho, a atacar as especialidades da casa como se tivessem acabado de aterrar no aeroporto de Tires e não conseguissem descansar enquanto não tivessem matado as saudades gastronómicas.

A atmosfera nestas cantinas ancestrais assemelha-se muito ao pânico. E tem razão: estes restaurantes têm um lado religioso, como se estivessem rodeados pelo apocalipse.

Na Petisqueira, cujos 40 anos de idade bem que poderiam ser 400, entra-se como se entrássemos para um lugar de culto. Os empregados são briosos, rápidos e cúmplices. Tratam os clientes como amigos porque são, de facto, amigos dos clientes. Ajudam-se uns aos outros, abraçam-se, perguntam pelos filhos.

Está sempre cheio mas há sempre uma mesa para quem chega: parece milagre mas é profissionalismo. É uma alegria observar o trabalho da cozinha, onde uma pequena multidão de cozinheiras e cozinheiros atarefa-se a reinventar uma multiplicidade riquíssima de pratos.

Na Petisqueira lembramo-nos do luxo da escolha. Há os pratos do dia, o peixe fresco, os bacalhaus, as amêijoas, os pratos especiais, os bifes na pedra ou na travessa… A tendência, nas primeiras vezes em que se vai, é pedir pratos a mais, para dividir. Eles bem avisam que é comida a mais mas, como também acabam por ceder, é sempre possível levar para casa, onde o jantar apenas terá de ser uma leve sombra do opulento almoço.

A Petisqueira é daqueles restaurantes que ainda respeitam a particularidade portuguesa, tão politicamente incorrecta nestes dias de oposição aos hidratos de carbono, de servir tudo com arroz e batatas fritas. Para mais, o arroz simples é magnífico: aquele que dantes se dizia “de sustância”.

São tantos os pratos que hesito em recomendar uns e não outros.

Excepcionais são as lulas à alhinho: pequeníssimas e deliciosíssimas, a saber completamente a lula. É um dos pratos que, uma vez provados, fazem com que se “fique cliente”. O cozido à portuguesa é maravilhoso, com as couves cheias dos sabores dos enchidos e das carnes. O feijão acaba depressa — antes da uma da tarde — mas é assim com os restaurantes em que se pode confiar. Só estão disponíveis durante um pequeno intervalo de tempo.

O arroz de polvo está cheio de polvo e sabe mesmo a polvo: uma raridade. O bacalhau à casa é bacalhau frito à minhota, com todos os mimos e cuidados. A feijoada é à antiga, sem compromissos, como são todos os pratos.

O pão da zona de Malveira da Serra é justamente famoso, apesar de ser difícil de encontrar. É servido no Porto de Santa Maria e também aqui na Petisqueira: é o pão do Zambujeiro. É estaladiço, saboroso e sólido. Apetece não comer outra coisa: tenha cuidado!

É de 40 em 40 anos que aparece — e fica — um restaurante como a Petisqueira. É preciso aproveitar. Aproveitar não é, por uma vez, um dever. Qual quê! É mas é uma sorte. E um prazer.

A Petisqueira
Praceta dos Origans, 17
Alcabideche
Tel.: 214 690 086
Fecha às quintas-feiras