Na ponta da língua

Este fim de ano não deixe a sua vodka sozinha ou em más companhias: sirva os petiscos que ela há-que-séculos pede
Na última noite do ano uma das melhores combinações do mundo é a de peixe fumado, pão de centeio e vodka.
O melhor salmão fumado que há em Portugal é o da Petrossian, vendido pela Charcutaria Moy. O salmão não é só selvagem — é também curado pelos grandes especialistas da Europa. O melhor salmão fumado que já provei é o da H.Forman & Son de Londres. Vale a pena ir ao website deles — formans.co.uk — para aprender como se faz, diariamente, com salmão selvagem acabado de pescar.
O salmão da Forman compra-se no Fortnum & Mason. Para as pessoas que moram em Londres vale a pena esperar pelo fim do dia (18, 19h) para comprá-lo por metade do preço. É verdade: só tem cerca de 24 horas de deliciosidade. É, para todos os efeitos, um produto fresco, mais frágil do que o peixe fresco.
O salmão da Petrossian custa 35 euros por 180 gramas: quatro grossas e sumptuosas fatias. Como não tem colorantes de qualquer espécie, é acinzentado mas o sabor faz saltar a tampa a qualquer um.
Quanto aos outros salmões disponíveis no mercado português, é preciso dizer que todos eles são feitos a partir de salmão de viveiro. É difícil arranjar regras de compra mas na minha experiência são menos recomendáveis (em Portugal, note-se) os salmões fumados de origem escocesa, irlandesa, espanhola ou francesa. O melhor, sem dúvida, é o norueguês, por ser mais cuidadosa e regulamentada a aquacultura e a preparação. O preço é pouco indicativo. O salmão fumado do Aldi e do Lidl, por exemplo, custa cerca de 5 euros por embalagem de 200 gramas e é muito bom.
O caviar verdadeiro — de esturjão selvagem — já quase não existe e é, por isso, caríssimo. O da Petrossian, por exemplo, custa 6000 euros por quilo e só se consegue obter por encomenda. Um frasquinho com 50 gramas — o suficiente para ficar com vontade de comer mais 150 gramas — custa 372 euros na Moy de Lisboa e já se vai a tempo de encomendar.
Uma bela alternativa são as ovas de salmão. Embora a qualidade tenha descido nos últimos anos (as ovas não estão devidamente cheiinhas nem separadas umas das outras), as melhores são as russas, obtidas de salmão selvagem do Alasca. O Corte Inglés vende um frasco de 125 gramas (a marca, enganadora, é Amaliona) por 19 euros. Mais vale comprar um frasco grande, com 600 gramas, por 78 euros. Chega e sobra para duas pessoas.
ECI tem também uns pseudo-blinis da Benfumat que disfarçam muito bem: duas embalagens de 300 gramas a 4,50 euros cada uma são suficientes para o mais guloso dos banquetes. Ganham em ser aquecidos num forno quente ou muito levemente torrados.
É fácil fazer blinis a sério, com trigo sarraceno, mas não sei se vale a pena. Depende do estado de espírito. Pode-se servir os blinis com natas azedas (compradas numa loja russa ou ucraniana) e ficam óptimos com as ovas de salmão ou o salmão fumado por cima.
Funciona também queijo Philadelphia (soa mal mas sabe sempre melhor do que se pensava) ou, surpreendentemente, queijinhos frescos ou requeijão. Em vez dos blinis também pode servir pão russo de centeio ou, na versão portuguesa, fatias finíssimas de Broa de Avintes.
Considerem-se também anchovas de Santona, moxama de atum, presunto ibérico de bolota, pickles, mostarda inglesa e creme de rábano da excelentíssima marca Tracklements.
No que toca à vodka, não vá em grandes histórias. Para beber à temperatura ambiente vale a pena comprar uma boa vodka de centeio, como a polaca Belvedere, por 40 euros. Se é para beber pura e gelada, não se deixe enganar pelas publicidades. As melhores vodkas continuam a ser bastante baratas: a Finlandia custa cerca de 15 euros por garrafa, a Russian Standard custa 14 euros e a Stolichnaya custa 12 euros. Todas têm 40 graus. A 37,5 graus existem duas vodkas primorosas: a polaca Wyborowa a 11 euros e a russa Moskovskaya por 10 euros.
Fuja a todos os outros preços e às marcas espampanantes ou banais (Absolut, Smirnoff) com a maior das velocidades e nada perderá excepto o prazer duvidoso de desperdiçar dinheiro em vodkas feitas para atrair turistas e pessoas inseguras.
Combinando vodka com pão de centeio e peixe fumado (e não fazendo outras misturas) chegará a 2017 com uma velhíssima resistência às ressacas — e ao ano novo.