Pedro Cunha

O que é feito do nosso rico polvo? E do nosso rico bacalhau? E do nosso Natal?

É cada vez mais difícil encontrar um restaurante que compre polvo fresco, que o congele para tornar a carne mais fofa e que o sirva acabado de cozer. O polvo cozido, mesmo só com batatas cozidas na água de cozer o polvo, é uma das coisas mais deliciosas do mundo.

Infelizmente está a desaparecer.

A proliferação de polvos à lagareiro em todos os restaurantes é um dos sinais do declínio. Diria que só 10% dos restaurantes compram polvo português, que é muito mais caro do que o importado. Os espanhóis e japoneses — que também gostam muito de polvo — compram-no sem discutir o preço. Basta fazer um simples teste para saber se um restaurante tem polvo português: peça-o cozido e acabado de cozer.

Tenha muito cuidado. Num restaurante muito conhecido por servir polvo de muitas maneiras disseram-me que não serviam polvo cozido. Pedimos polvo grelhado. Também não tinham. Se fosse noutro restaurante teríamos saído dali. Cozer ou grelhar um polvo mostra incontestavelmente a qualidade do polvo, sobretudo quando não tem qualidade. Mas, como se tratava de um restaurante com boa reputação, lá caimos na asneira de pedir o polvo à lagareiro.

O polvo não sabia a nada. Não era só não saber a polvo: não sabia a nada. Chamámos o proprietário e ele teve a honestidade de concordar, dizendo que era por isso que ele oferecia maneiras mais temperadas de servir o polvo.

O sabor do polvo à lagareiro vinha do azeite e do alho. Quando o azeite e o alho também não prestam (como quase sempre acontece), o desastre é total.

Aconteceu-nos o mesmo num restaurante do Porto que, por ser antigo, decidimos experimentar, sem consultar ninguém de antemão. O polvo à lagareiro apareceu tão depressa (e era tão insípido, embora bonito) que deve ter sido meramente aquecido num micro-ondas.

É verdadeiramente um polvo à lagareiro de merda. O polvo é uma merda. O azeite é uma merda. O alho é uma merda. Só as batatas, coitaditas, se safam.

Há uma ou duas gerações de portugueses que não conhece o sabor do polvo, precisamente por só conhecerem o polvo à lagareiro feito com mau polvo importado ou pré-cozinhado e congelado, pronto para disfarçar com umas batatas a murro. A continuar assim, perdemos um dos grandes pratos da nossa tradição culinária e natalícia.

Não percebo como é que os portugueses são tão cuidadosos com os peixes e mariscos que comem mas esquecem todos esses cuidados quando se trata de polvo. Deve-se perguntar sempre qual é a proveniência e pedir para ver a factura da compra do polvo. Aqueles que compraram polvo do bom não só não se importarão de mostrá-la, orgulhar-se-ão. É graças a eles que o nosso polvo não vai todo para o estrangeiro. É graças a eles que nem todo o polvo que comemos é estrangeiro. Para situar bem o problema, leia-se urgentemente a reportagem aqui no PÚBLICO de Ana Rute Silva, publicada online no dia 20 de Novembro deste ano com o título “O que é que Portugal tem? Mais sabor e cor”.

Está a acontecer a mesma coisa com o bacalhau. A diferença é que não se importam, caso tenham postas de bacalhau, de cozer-lhe uma posta. Aí é que se vê que o bacalhau — se for bacalhau — não presta para nada. É por isso que tem de ser disfarçado com azeite e muito alho picado. Há até restaurantes bons e caros que não têm postas de bacalhau. Compram-no lascado (mais barato) e servem-no já lascado.

Para resistir a esta degradação do polvo e do bacalhau a melhor arma que temos é exigi-lo cozido ou, vá lá, grelhado. De tempero só precisa de azeite virgem extra. E mais nada. É através da simplicidade que se regressa à qualidade, que nunca pode ser fácil de conseguir — ou barata.