FERNANDO VELUDO/NFACTOS

Como conseguir a ajuda do bispo de Norwich para não deixar parar a rodada de Porto Vintage à mesa

As tradições são de manter não só porque funcionam mas porque têm graça. Nesta altura do ano em que mais apetece virarmo-nos para os vinhos do Porto — e sobretudo os Vintage, que são os mais interessantes de todos — convém assegurar que as tradições estejam todas em ordem.

É fácil decantar um Porto Vintage com menos de quarenta anos. Basta um saca-rolhas normal e um decantador. Deixe a garrafa de pé durante 15 minutos. Os sedimentos são pesados e depressa cairão para o fundo.

Depois deita-se devagar com a garrafa direita, em frente a uma fonte de luz, e pára-se quando surgir o sedimento.

Basta ficar duas horas a respirar no decantador: é o tempo de almoçar ou jantar. O ideal é acabar com a garrafa, pelo que é bom calcular o número de convidados. Há também meias garrafas. Como os Portos Vintage são muito deliciosos, deve contar com dois copos por pessoa. Agora há maneiras de guardar um Vintage mais tempo, mas a verdade é que oxida sempre e nunca fica tão bom. Deve-se beber uma garrafa de uma assentada.

O anfitrião passa o decantador para a pessoa que está à esquerda dele. A pessoa serve-se e faz o mesmo. É desejável que o decantador nunca esteja parado, que só pare quando estiver vazio. Se houver mais pessoas, há que ter mais decantadores já prontos.

Se alguém se esquecer de passar o decantador ao próximo há uma forma tradicional de lhe avivar a memória. Pergunta-se à pessoa esquecida — que talvez tenha fingido esquecer-se para se servir uma segunda vez — se conhece o bispo de Norwich. É código para “passa para cá o Porto!”.

Se, mesmo assim, a moeda não cair na ranhura, pode-se dizer que o bispo de Norwich é uma maravilha de pessoa, um comensal encantador, com um único defeito: às vezes esquece-se de passar o Porto.

Se o Porto for muito bom e a noite avançar, é provável que o decantador deixe de circular. Também acontece ter convivas egoístas e gulosos que gostam de ter o decantador sempre à mão. Nesse caso, a solução tradicional — menos civilizada mas eficaz — é usar um decantador Hoggit. Este tem o fundo redondo e, logo, não pode ser pousado sem se entornar imediatamente. O único sítio onde pode pousar é numa base côncava de madeira que se encontra na posse exclusiva do anfitrião.

Na minha opinião, os Portos Vintage bastam-se a si próprios e perdem em ser acompanhados com comida. Mas não há dúvida que ficam bem com nozes e com queijo Stilton, sendo ainda tradicionais os figos ou alperces secos.

Segundo um perito que eu cá sei (e que me ajudou a escrever esta crónica), o perímetro da boca do decantador deve ser igual à altura. Isto é para desafiar os convidados a adivinhar a proporcionalidade. Sentados, inclinar-se-ão a dizer que o decantador é duas ou três vezes mais alto que o perímetro. Depois, usando-se um guardanapo, mostra-se que são iguaizinhos. É um princípio geométrico: uma circunferência é uma excelente maneira de disfarçar o comprimento de uma linha.

Para saber quais são os melhores e piores anos sem gastar dinheiro a comprar livros (um erro, mas enfim…) um site fidedigno é o Vintageport.se, que é escrito em inglês e tem (até ao ano de 2000) as classificações exigentes de 1 a 5 de Michael Broadbent e as classificações mais generosas (até 100) de James Suckling (até ao ano de 1987). As provas também são de confiança.

Hoje em dia há, mais no Porto do que em Lisboa, bastantes restaurantes e hotéis onde se pode beber um copo de Porto Vintage duma garrafa recém-aberta e bem conservada. O mais seguro é ir a um restaurante ou hotel associado a uma das grandes casas de Vinho do Porto. O Grupo Symington, por exemplo, nunca falha e no restaurante e wine bar Vinum, em Vila Nova de Gaia, pode ter a certeza de provar um Porto Vintage por tão pouco como 7,50 euros (Vintage 2004 da Quinta de Malvedos).

Mas claro que tem mais graça estar em casa rodeado de amigos a passar o decantador e a invocar o bom do bispo de Norwich, que em 2011 apareceu mesmo na Factory House, na pessoa do Reverendo Graham James, convidado pelos Symingtons, para beber não um Graham’s mas um Dow’s de 1977, em magnum!