Na ponta da língua

Já começou a sair dos fornos o panettone milanês: o bolo mais exaltante, leve e meticuloso do Natal
É já no próximo fim-de-semana em Roma que se vai alambazar a Fiera Nazionale del Panettone e del Pandoro. Este ano também Florença vai ter a sua feira de panettone e pandoro, nos dias 3 e 4 de Dezembro.
O panettone é um bolo milanês muito alto e fofinho cheio de passas, baunilha e casca de laranja cristalizada. Tornou-se o bolo de Natal dos italianos. Os panettones que se poderão provar em Roma e Florença serão todos artesanais: ou melhor, são feitos em pastelarias.
O panettone não tem quase nada a ver com o nosso bolo-rei mas, tal como o bolo-rei, há panettones muito bons, bons, medíocres e maus. É preciso, por isso, muito cuidado. Há no mercado português e europeu panettones a cinco euros ou menos que não prestam para nada, mas há também panettones caros (alguns embrulhados à mão) que são secos e austeros de mais.
Há panettones de marcas italianas famosas — como a Bauli — que não são baratos mas que são uma desilusão. Mesmo assim, pode dizer-se que, como regra, um panettone que custe menos de 20 euros não deve ser grande coisa.
Um bom panettone é uma nuvem levemente húmida que se arranca aos pedacinhos. O melhor acompanhamento possível é um Moscatel de Setúbal de José Maria da Fonseca. Nem é preciso gastar muito dinheiro. O Moscatel de Setúbal 20 anos (apenas porque o vinho mais novo do blend tem 20 anos), em garrafa de meio litro, custa 24 euros e é delicioso.
Ainda mais barato e sensacional é o Moscatel de Setúbal 2004 da Colecção Privada de Domingos Soares Franco, genialmente feito com aguardente de Armagnac, que custa 21 euros por uma garrafa de 7,5 decilitros.
Não sei por que é que o panettone e os melhores moscatéis de Setúbal emparelham tão bem. Mas é uma combinação celestial. Assim como deve ter muito cuidado a escolher o moscatel de Setúbal (há por aí muitas experiências falhadas, falsas economias e zurrapas rodeadas de bazófia), deve encarar a escolha de panettone com a máxima seriedade.
Uma marca em que se pode confiar (já comprei e adorei a edição de 2016) é a Chiostro di Saronno. No site, onde usam o plural panettoni, vendem um panettone de um quilo, numa embalagem de cartolina vermelha, por 15 euros. É muito bom. Por mais 3,50 euros fica com uma lata linda e grande que dá imenso jeito. Nós temos a casa cheia de velhas latas de panettone porque são ideais para guardar tudo.
Se gastar mais de 79 euros eles oferecem o transporte. Pelo que percebi, usam o correio tradicional e deve demorar um máximo de dez dias a chegar a si. Se tem pressa e não se importa de pagar mais um bocado, a Amazon.co.uk tem o mesmo panettone numa lata mais bonita por 17,45 libras, ou seja, oito euros pós-"Brexit". Mentira: são 20 euros.
O Panettone Tre Marie, de Milão, é também excelente. Não sei quais serão os preços este ano, mas o básico (na caixa cor-de-laranja) custará vinte e tal euros por 750 gramas. A melhor versão, ligeiramente mais cara, é a da caixa preta, por ter maior quantidade de laranja siciliana cristalizada. Vale a pena.
G.Cova é uma das pastelarias mais antigas de Milão (é de 1930) e produz um panettone muito bom, sobre o seco, que pesa 1120 gramas (a “libra milanesa”). A pastelaria Sant Ambroeus é mais recente (1936) mas é ainda mais bonita. Produzem um belo panettone tradicional, mas não sei onde comprá-lo online. A Peck, em Milão, é uma das melhores mercearias do mundo e recomenda-se a loja online. O panettone de um quilo custa 32 euros mas não é tradicional, por conter ananás e gengibre. Nunca o provei, mas é muito gabado e tudo o que é vendido pela Peck é bom.
Finalmente, recomendo os panettones da Albertengo, uma empresa no Piemonte que existe desde 1905. Só conheço o tradicional, embrulhado à mão. É parecido com o de G.Cova: rico e frutado mas pouco húmido, a precisar mesmo da ajuda de um vinho de sobremesa. O Antica Ricetta pesa um quilo e custa, razoavelmente, 17,30 euros. Também fazem um panetonne enorme de dez quilos — o Cubo Gran Natale Classico Alto — que vendem, exageradamente (e sem direito a lata) por 230 euros.
Depois de mais de uma década de experimentação metódica, com muita decepção pelo meio, estes são os panettones que são mesmo bons. Cuidado que, uma vez provado, não será possível voltar atrás.