Na ponta da língua

Há na Internet dois magníficos cursos de gastronomia portuguesa inteiramente interessantes, essenciais e grátis
Edgardo Pacheco é um jornalista gastronómico excepcionalmente sábio, brincalhão e aventureiro. É um prazer falar com ele. É um entusiasta que ensina a comer, a dar valor ao que se come e a encontrar o melhor de tudo.
Já foi meu editor na revista Sábado e gostei imenso de trabalhar com ele. Edgardo Pacheco é açoreano, adora peixe e já os viu vivos no mar, sendo caçador submarino. O Edgardo conhece peixes de que mais ninguém ouviu falar.
Como é uma pessoa tremendamente generosa, está sempre a contar os segredos que conhece, por muito que isso prejudique os prazeres dele.
Aprende-se sempre muito com as crónicas apaixonadas e eruditas que escreve no Correio da Manhã (que são oferecidas online). Algumas são sensacionais. O Edgardo partilha as muitas descobertas que faz e mantém-se sempre a par do que está a acontecer nos restaurantes, nas lojas e nos mercados.
Leia-se, por exemplo, “Um queijo afinado é outra coisa” ou “Sejam infiéis aos vinhos do costume”. É rápido, divertido e incisivo.
Felizmente o Edgardo tem estado a filmar uns programas interessantíssimos para o canal de televisão do Correio da Manhã. Muitos deles estão disponíveis no site.
O programa chama-se Prato da Casa. Os títulos são modestos mas os filmes são formidáveis. O filme “Aprenda a fazer pregado no forno”, por exemplo, começa com uma visita a um mercado onde se apresenta o peixe do Horácio, fornecedor do restaurante lisboeta Dom Feijão. Edgardo fala com o proprietário João Araújo, fala sobre as sardinhas de Agosto com o Horácio e pergunta de onde vêm os pregados (da Galiza). Depois explica como o peixe é tratado.
Cada programa é uma educação e um prazer. Como o Edgardo sabe tanto, sabe fazer as perguntas certas e é impossível de enganar. Trata as pessoas como deve ser e como a curiosidade dele é genuína sabe pôr as pessoas a falar.
No restaurante detém-se a admirar a montra e a recomendar o Dom Feijão para comer uma pescada cozida, arrepiada de um dia para o outro.
O Edgardo corre o país. Os três programas filmados nos Açores são deslumbrantes. Que prazer que é ver alguém que sabe o que diz, que sabe dizê-lo e que gosta do que faz!
No programa “Aprenda a cozinhar flor de curgete recheada” encontramos o Edgardo na horta do chef José Júlio Vintém, a três quilómetros do restaurante de Portalegre onde trabalha. Apanham a flor e depois vão falar com o pai do José, que trata da horta. Põem-se a falar de espargos e beldroegas que apanham e levam para o restaurante. No restaurante recheia-se a flor com escabeche de perdiz e frita-se num polme de tempura. O Edgardo pergunta se leva água com gás (como fazem os japoneses) e Vintém revela que usa cerveja.
São quase cem programas, todos excelentes, cada um com cerca de 20 minutos. Constituem um divertidíssimo curso de gastronomia portuguesa. O comprimento de cada programa é ditado pelo interesse dos assuntos abordados. Gosto muito desse lazer. Nada é apressado. É mesmo um passeio de sensibilidades, conhecimentos e comidas boas, boas, boas.
Outro grande programa disponível grátis na Internet é feito por Tiago Pereira no site do nosso PÚBLICO. Feito em parceria com o Esporão chama-se “O Esporão & A Comida Portuguesa A Gostar Dela Própria”.
Cada filme é uma pessoa a explicar uma receita. As pessoas são admiráveis: são pessoas que vivem aquelas receitas. São filmadas onde vivem e cozinham. Com sotaques magníficos, vêem-se cozinheiras como Leontina Moreira a “representar” o Caldo de Quintandona, aldeia do concelho de Penafiel, ou cozinheiros como Armando Torrão, em Serpa, a explicar dois pratos alentejanos: o feijão com catacuzes e acelgas com grão.
Os depoimentos são muito bem filmados, embora tenham legendas em inglês bastante intrusivas. Um dos melhores, para mim, é o do gaspacho apresentado por uma senhora forrmidável, infelizmente não identificada*, na serra do Caldeirão, no barrocal algarvio.
Vale mesmo a pena ver o vídeo “Com a intenção de ir ao fundo das coisas”, em que o próprio Tiago Pereira explica o projecto, começando com uma história divertidíssima sobre dois tabuleiros.
Obrigado, Edgardo e Tiago, pelos maravilhosos trabalhos que fizeram e com que agora ficamos para sempre!
*nota: já após a publicação desta crónica, a Fugas actualizou a informação sobre a receita de gaspacho, acrescentando-se, nomeadamente, o nome da apresentadora, a dona Irene do Rosário.