Na ponta da língua
É só através do mais puro prazer gastronómico e sazonal que se consegue marginalizar o peixe e a carne
Toda a gente sabe que comemos carne e peixe de mais mas não é fácil torná-las minoritárias nas nossas refeições, como deveriam ser.
Mas há maneiras de dar a volta à cabecinha para desprogramá-la. É por estas alturas primaveris que sabe bem marginalizar a proteína de origem animal.
A receita é simplesmente encher o bandulho de fruta e de plantas antes de se comer o peixinho.
Esta semana comi uns morangos muito bons da magnífica Quinta Biológica Santo Estêvão. Em Abril! Nunca na vida tinha comido bons morangos tão cedo no ano.
Começar a refeição com fruta é um hábito que se adquire facilmente.
Não faço ideia se é bom para a digestão ou para a saúde. Também não sei se emagrece ou engorda. Dá é um imenso prazer, que é a única razão por que funciona. Sabe muito bem atacar a fome com fruta em quantidades industriais.
Também tenho chorado de prazer a comer nêsperas de uma quinta que eu cá sei, apanhadas poucos minutos antes da mastigação. As nêsperas menos maduras têm uma acidez adstringente que é viciante de tão boa.
Também os morangos — que atingem o máximo da doçura em Junho — têm um toque de acidez na doçura que limpa a boca e abre o apetite.
A seguir às frutas comemos tremoços pouco salgados e umas poucas azeitonas verdes. Ambos os aperitivos são fornecidos pela Delta Cafés.
Há pelo menos um belo restaurante que vende um pratinho generosíssimo de tremoços com algumas azeitonas verdes por 2 euros.
Os tremoços que se compram para aí não prestam para nada mas estes fazem lembrar os bons velhos tempos em que as cervejarias faziam a cura dos tremoços que serviam com as imperiais.
Tendo comido a fruta e os aperitivos é altura de arrancar com as crudités: as saladinhas. Tem de ser tudo biológico, claro. Em Abril foi-nos apresentado o pepino holandês, que tem um sabor suave mas irresistivelmente fresco. Cortado fininho na mandolina e temperado com flor do sal, cebolinha nova, azeite e vinagre fica deliciosa.
Ao lado, ao mesmo tempo, já há tomates com suficiente sabor para serem comidos em salada, com a mesma cebola. Só para esclarecer de que cebolas falo, são aquelas que parecem alhos franceses muito magrinhos.
A cebola branca tem o tamanho de um berlinde e as folhas têm uns trinta centímetros ou mais.
Usa-se tudo: tanto as folhas como as cebolas. Pode-se comer à vontade sem perigo qualquer de indigestão. Parece um milagre. Mas cuidado porque a altura destas cebolas é agora. Como sempre, é urgente aproveitar.
Outra salada que é excelente agora é a da beterraba. A rama, pouco cozida, dá outra salada, igualmente exímia.
Mas temos comido também espargos — cozidos, com azeite — e saladinhas de grão ou feijão ou de alface. As alfaces também estão muito apetitosas nesta parte da Primavera.
Não usamos as saladas como acompanhamentos. Elas têm o direito de ser um prato único e de serem apreciadas pelas qualidades que têm. Nem vou falar de sopas ou de gaspachos ou de arja-molhos. Também marcham muitíssimo bem.
Quando chega a altura de comer um peixinho já estamos com pouca fome e comemos só um bocadinho, apreciando-o mais por causa disso.
Como se viu, a única maneira de marginalizar o peixe ou a carne é torná-lo na sobremesa — na última coisa que se come, acompanhado por uma couve cozida, já que ainda é cedo para o feijão-verde.
Telefonei para a Quinta Biológica Santo Estêvão, sem os conhecer ou ter marcado nada, usando o número de telefone que está na animada página do Facebook que têm.
Falei com um agricultor simpatiquíssimo que nasceu em Lamego mas já está há seis anos em Santo Estêvão, no concelho de Benavente, no Ribatejo.
Aprendi muitas coisas com ele. O morango pode cultivar-se o ano inteiro sem usar estufa. Aqueles que eu comi foram plantados em Novembro. O frio ajuda-os a enraizar bem. Assim que vem o calor eles começam a brotar. Quanto mais sol tiver o mês, melhor será o sabor.
Estão melhores entre Abril e Setembro e o grande mês deles, no Ribatejo, é Junho.
Isto é, estão a melhorar com cada dia que passa e é um requintado prazer saboreá-los à medida que se vão aproximando da perfeição.
Quinta Biológica Santo Estêvão
Rua José dos Santos Rodrigues, Santo Estêvão, Benavente
Tel.: 968 120 837
Está à venda nas lojas de produtos biológicos e nos supermercados ?El Corte Inglès e Celeiro.