Dylan Martinez/Reuters

Puxa-me a língua para o Mundial, tenha acontecido o que aconteceu com Portugal

Quando lerem estas palavras já saberão se Portugal conseguiu passar para os oitavos-de-final e com quem irá jogar, caso tenha passado.

Eu, escrevendo na terça-feira passada, depois de ver a saída da Itália, derrotada pelo Uruguai e da Inglaterra, empatada a zero com a Costa Rica, ainda não sei nada. O que eu sei é que, sem saber como, deixei-me absorver por este Mundial no Brasil.

O futebol para mim nunca foi uma fuga mas finalmente, depois de tantos anos, começa a ser. Apesar da corrupção repugnante da FIFA e da comercialização do Mundial, dou comigo a entusiasmar-me com o entusiasmo com que os jogadores jogam.

Harry Redknapp, ex-treinador do Tottenham, disse recentemente que vários jogadores lhe pediram para não deixá-los ir jogar na selecção inglesa, porque “não queriam sujeitar-se às reacções do público inglês”. O treinador da selecção inglesa, Roy Hodgson, reagiu logo, querendo saber os nomes dos pouco patrióticos jogadores. Um ex-jogador que hoje é comentador chegou a sugerir que, como castigo, esses recusantes deveriam ser encarregados de telefonar às famílias dos soldados ingleses que morreram no Afeganistão.

No entanto, a verdade é que o comportamento desses baldas foi inteligente (e presciente). Se Cristiano Ronaldo quisesse jogar pelo seguro alguma vez ia para o Brasil dar o litro, arriscando a ingratidão (completamente injusta, aconteça o que acontecer) dos adeptos?

Todos dizem que o Mundial está condenado e que, cada vez mais, os grandes clubes, que investiram tanto dinheiro nos melhores jogadores, vão-se recusar a emprestá-los.

O dinheiro está nos grandes clubes, muito mais do que nas selecções e num Mundial que só se disputa de quatro em quatro anos.

É por isso extraordinário que os jogadores mais bem pagos do mundo — Cristiano Ronaldo, sobretudo, mas também Suaréz — se entreguem tão completamente aos jogos, arriscando lesões e ingratidões.

Repare-se na lesão terrível de Fábio Coentrão, que o tirou do Mundial. Ele esticou a perna toda apenas para apanhar uma bola mas, não tendo cuidado, esticou-a de mais e ficou a torcer-se com dores. Não tendo cuidado é como quem diz tendo coragem, agindo sem pensar nas consequências.

Tendo estudado a selecção de perto sou obrigado a reconhecer que todos os jogadores deram tudo pela camisola, desde os mais internacionalmente famosos aos mais conhecidos cá em Portugal.

Sempre me ensinaram, no colégio inglês, que desde que uma pessoa se esforçasse o mais possível, não fazia mal perder ou ganhar. Essa maneira de pensar, entretanto, tornou-se obsoleta e hoje só interessa ganhar, com ou sem brilho.

Com a nossa selecção — tal como todas as selecções que vi, mesmo a brasileira, a argentina e a inglesa — só vi esforços máximos. Deram tudo o que tinham para dar. Se umas são — ou estão — melhores do que outras é outra questão.

Aconteça o que aconteça, o nosso apoio e o nosso obrigado à selecção não deve variar ou depender dos resultados. Compare-se o que eles fizeram com o que nós aqui em casa fizemos. Deram o litro. E a mais não podem ser obrigados.

Na edição de Julho da revista Harper’s lê-se um soberbo ensaio de Simon Kuper — o melhor crítico de futebol para quem percebe pouco de futebol — sobre a maneira como o Mundial cedeu ao nacionalismo mas foi entretanto liberalizando-se, com muitas pessoas a preferirem ser adeptos de equipas estrangeiras.

Por enquanto, porém, os jogadores ainda acreditam nas bandeiras dos países pelos quais jogam e ainda estão dispostos a dar tudo por elas.

É aí, nesse esforço, nesse salto de imaginação e de empenho, que todas as equipas se assemelham e que mais merecem a nossa gratidão e admiração.

Sendo portugueses, é natural que pensemos que a selecção portuguesa se esforçou mais um bocadinho do que as outras. O pior é que, se as coisas correrem mal à selecção, haverá muitos portugueses que acharão precisamente o contrário.

Fica aqui a opinião isenta de quem ainda não sabe nada: obrigado, jogadores e técnicos da selecção portuguesa!