Na ponta da língua

A boníssima broa de abóbora da Cláudia e do Vítor
A Cláudia nasceu depois do 25 de Abril, em 1975. Estava ela feliz da vida, a trabalhar na indústria do calçado, quando, depois de uma licença de maternidade, a fábrica informou-a que já não tinha trabalho para ela.
Morando na aldeia de Urrô, a Cláudia e o Vítor repararam que as abóboras dos campos de Souto Redondo serviam para dar de comer aos porcos ou ficavam a apodrecer nos campos.
Pegaram numa velha receita de família e foram-na adaptando e melhorando até chegar à perfeição. Há quem fale em pão celeste; há quem fale em regueifa sublime; há quem invoque as nuvens mais fofinhas de farinha que pode haver.
As broas de abóbora da Cláudia e do Vítor levam abóbora, farinha, açúcar, manteiga, ovos, leite e especiarias. Mas a mão é tão leve que o bolo quase que não pesa. É tão fofinho que nada espantaria se levitasse.
Na boca é uma subtileza de bondade e de alegria. É uma ideia de abóbora, um sonho de abóbora, um pensamento de abóbora. É o bolo mais leve e, ao mesmo tempo, mais reconfortante que já provei nesta vida.
Levou anos — com muita coragem e teimosia do casal e muita solidariedade dos amigos e conterrâneos — a acertar na receita. Não sendo um bolo tradicional — é uma obra-prima contemporânea, criada pela Cláudia e pelo Vítor — há-de tornar-se um bolo tradicional, tal é a originalidade e a delícia que traz a quem o prova.
Numa excelente reportagem da Lusa de 7 de Dezembro de 2013 (“Casal de Arouca gere negócio de broas com abóboras doadas pelos vizinhos”) conta-se que Teresa Sousa, proprietária do supermercado Cavadinha, estranhou que o filho do casal estivesse a comprar dezenas de quilos de farinha.
Quando o filho deu com a língua nos dentes, a Teresa não descansou enquanto não provou a broa de abóbora. Tal como acontece a toda a gente que prova aquele milagre, ficou deslumbrada.
Para poderem vendê-las no supermercado, a Cláudia e o Vítor tiveram de tratar de todas as licenças e papeladas necessárias para comercializar a broa.
Também esta parte da história é incrível: estamos a falar de um bolo feito por uma ou, no máximo, duas pessoas (o Vítor trabalha na indústria do calçado mas todo o tempo livre que tem é para ajudar a mulher), moradoras numa pequena aldeia do secretamente magnífico concelho de Arouca. Mas têm uma empresa inteiramente legalizada. Lê-se no rótulo: “Vítor Fernandes, actividade produtiva local para o fabrico de bolos, doçaria e confeitos”.
O Vítor disse à Lusa que “o preço barato [do bolo] só é possível porque tanto as abóboras como a lenha dos fornos saem dos campos a custo zero”. Cada bolo é grande e alto mas pesa à volta de 800 gramas. Como só custa seis euros o quilo em Arouca (e um pouco mais, como tem de ser, no Mercado do Bom Sucesso no Porto, na deliciosíssima bancada dos Gostos Com Memória) um bolo inteiro, que dura uns bons dias e dá para boas bocas, sai por menos de cinco euros.
Houve vários revendedores que quiseram comprá-lo a esse preço para depois vendê-lo a 20 e a 25 euros em Lisboa como produto “gourmet”. Mas a Cláudia e o Vítor, felizmente, têm tantas encomendas em Arouca, para além das encomendas cada vez maiores para os Gostos Com Memória, que puderam virar as costas a essa gente.
As broas saem à sexta-feira e ao sábado do forno de lenha, dias de festa para as centenas de apreciadores que gostam delas quentinhas.
Têm sorte e estão mal habituados (que inveja!). A verdade é que o bolo aguenta-se muito bem fora do frigorífico durante três ou quatro dias. Depois disso é delicioso grelhá-lo devagarinho numa chapa, até dourar a massa amarela. É bom sozinho mas fica bem com um bom doce de laranja amarga — mas poucochinho, para não roubar o gostinho celestial da abóbora.
A broa de abóbora da Cláudia e do Vítor ganhou a medalha de ouro do Concurso Nacional de Bolo Rei Tradicional (categoria “broa”) que lhes vai ser entregue na Feira Nacional de Agricultura, em Santarém, de 7 a 15 de Junho.
A Cláudia ou o Vítor irão lá estar, com um carrinho cheio de broas, para quem tiver a sorte de visitar a feira. No Porto é só ligar para os Gostos Com Memória (925 207 895 ou 256 943 416). Quem tiver a sorte suprema de estar em Arouca pode encomendar directamente à Cláudia ou ao Vítor (913 038 383 ou 256 098 691).