Com tantos bons narizes portugueses a pulular por aí, porque não se aproveitam dois ou três para fazer um biscate nas fragrâncias?

Depois de ter lido os eruditos e divertidos livros e livrinhos de Luca Turin, em que ele faz crítica de fragrâncias com autoridade e conhecimento de causa, parece-me estranhíssimo que no mundo em geral e em Portugal em particular não haja crítica livre de águas de colónia, perfumes e outros produtos aromáticos que usamos todos os dias ou como um luxo.

Dizem-me alguns que caso se diga mal de uma água de colónia - ou de uma companhia inteira - as revistas e os jornais perdem publicidade. Mas esse argumento já foi usado com os filmes, livros e, no meu tempo, com o caso de Francisco Sande e Castro e de Rui Henriques Coimbra, a escrever criticamente sobre automóveis e publicidade n’O Independente.

A verdade é que só custa ao princípio. Passados uns tempos os produtores até gostam de ver os produtos criticamente avaliados. Uma má crítica pouco poderá contra a avalanche publicitária mas uma boa crítica poderá salvar uma boa fragrância do esquecimento ou da indiferença.

A crítica de vinho tem progredido muito em Portugal. As críticas negativas de vinhos importantes são um sinal de melhoria. Daí poder dizer-se com verdade e justiça que um grupo significativo de críticos tem contribuido para a maior qualidade e oferta de vinhos portugueses.

Ora os vinhos têm muitos aromas e é um prazer destrinçá-los e descrevê-los. Mas as fragrâncias - das quais há no mercado português quase mil - têm mundos inteiros de aromas.

Sendo a fragrância um produto que se compra e usa pelo cheiro é estranho que não haja, fora dos blogues como make-up alley e basenotes, críticos profissionais a indicar-nos o que pensam das últimas criações dos mestres perfumeiros.

Só uma pequena percentagem das fragrâncias são originais e/ou belas - a grande maioria copia as fragrâncias que mais se vendem - mas o consumidor está completamente perdido, dispondo apenas de desinformação publicitária.

A ignorância é quase total, com o nome das marcas a esconder a verdadeira origem das fragrâncias, quase todas criadas e produzidas por cinco grandes unidades industriais praticamente desconhecidas pelo grande público.

As revistas, os suplementos e as secções sobre vinhos seriam um excelente lugar por onde começar uma crítica de fragrâncias.

Os narizes dos provadores seriam não só bem aproveitados como divertidos pelas fragrâncias que experimentassem. Há fragrâncias espectacularmente malcheirosas mas o prazer da caça está em apanhar as cópias, disfarçadas pela marca, pela garrafa e pela publicidade.

Também as composições das fragrâncias se vão alterando ao longo dos anos - raramente confessadas - e é importante saber quais é que estão a piorar e quais é que estão a melhorar. Também há colheitas nos perfumes.

Por último é pena que não haja mais águas de colónia portuguesas. Tem havido uma importante renascença de grandes marcas tradicionais (Ach.Brito/Claus Porto e Saboaria Confiança de Braga) com merecido êxito em Portugal e no estrangeiro, mas faltam perfumeiros independentes a fazer fragrâncias originais.

Portugal é um país tão bem cheiroso como Espanha, França e Itália e deveria ter uma indústria de fragrâncias proporcional ao nosso tamanho.

Não poderiam ser os nossos grandes enólogos a dar um primeiro passo. Como será uma manhã de Maio no Douro, depois de uma repentina queda de chuva? Ou a noite alentejana de Agosto, junto ao mar? São tantos os prazeres olfactivos no nosso país - porque é que ninguém os tenta apanhar, inspirando-se neles para escrever fragrâncias novas e nossas?

São mais as fragrâncias inglesas, americanas e francesas que usam o nome de Portugal (ou do Douro) do que as fragrâncias portuguesas dignas desse nome. Nenhuma delas faz pensar particularmente em Portugal.

É uma pena. Talvez a malta dos vinhos - mulheres e homens - possa dar uma ajudinha. Senão é um desperdício de bons narizes e um serviço glorioso e útil - o da crítica - que se perde.