Enric Vives-Rubio

A arma secreta do cafezinho de praia que o transforma em marisqueira instantânea

Comprámos para aí meio quilo, medido a olho. Cada conjunto de percebes chama-se uma “pinha”. Escolhemos cinco pinhas gordas e íamos seguir caminho quando vimos um cafezinho de praia onde decidimos ir beber duas Águas das Pedras.

O dono do café reparou nos percebes e nas gambas e perguntou-nos se queríamos comer já os mariscos. Mas como? O café nem sequer cozinha tinha. O senhor sorriu, pegou nas gambas e nos percebes e dirigiu-se à máquina de café.

Usando o vapor da máquina e um largo copo de metal cozeu primeiro as gambas e depois os percebes, desafiando-nos: “Depois hão-de dizer se ficaram tão boas como as cozidas em água salgada”.

Passados dois minutos estávamos a comer as gambas. Estavam maravilhosas! Descascavam-se facilmente e o sabor parecia ainda mais concentrado.

Começámos logo a magicar que o vapor não tinha roubado nada às gambas. Quando se cozem em água é irrefutável que fica na água alguma gambice.

Foi a mesma coisa com os percebes. Ficaram deliciosos. Repare-se que eu não queria que ficassem. Tenho tão enraizado o hábito de cozê-los em água do mar (o lugar onde nasceram e onde vivem e comem, blá blá blá) que não queria que me fosse arrancado por um mero tubo de vapor de uma máquina italiana de tirar bicas. Mas foi. Levou menos tempo, gastou menos energia e perdeu menos sabor.

Os chineses há que séculos que se riem da maneira como cozemos tudo em água. Pouco a pouco começo a rir-me com eles.

Por outro lado, foi reforçado o princípio japonês sagrado: “Quanto mais fresco e delicioso o ingrediente, menor deve ser a intervenção culinária.”

As gambas da Quarteira são deliciosas cruas mas, para o nosso gosto, são algo doces, pelo que não apetece comer mais do que cinco ou seis. Levemente cozidas ao vapor — digo isto apesar da violência vaporeira da máquina de café — parece ser a intervenção mínima ideal.

As gambas nacionais têm uma cauda mais poderosa, na forma de um leque (como os lavagantes), por causa da força do nosso mar, disse-nos o nosso ilustre marisqueiro. As outras gambas que há para aí têm de ser cuidadosamente estudadas. Há muita porcaria no mercado, vinda sabe-se lá donde.

Com as gambas congeladas acrescenta-se uma malagueta à água em que se fervem para lhes dar sabor. Com gambas frescas é um disparate. Com os percebes já é diferente. Por uma questão de hábito, sabem-nos bem os percebes cozidos com uma folha de louro e um dente de alho. Mas cozidos só em água do mar — ou com o vapor de uma La Pavoni — ficam melhores ainda.

As gambas nacionais frescas são muito mais caras (cerca de 50 euros o quilo) mas são um marisco quase completamente diferente. São cor-de-rosa claras — até no sabor, que é mais delicado.

Que eu saiba há duas gambas nacionais: a gamba da Quarteira e a gamba de Cascais. A gamba da Quarteira é vermelha e azul e listada. É parecida com o carabineiro da Quarteira, que agora está na época e que se pode comer fresquinho. Dizem que a melhor é a de Tavira. O resto do ano é congelado (e descongela muito bem). Os carabineiros espanhóis, ali ao lado, também são muito bons. Já as gambas de Sanlucar de Barrameda, quando lá fui prová-las, não eram grande coisa.

As gambas de Cascais, chamadas gambas brancas, são menos gostosas e mais delicadas. Dantes, quando as águas de Cascais eram mais frias, não havia destas gambas. Agora vai havendo.

São suculentas cozidas brevemente e polvilhadas com flor de sal. Ou cozidas com o vapor que estiver mais à mão. Mesmo (ou será sobretudo?) quando o marisco é sublime, o português desenrasca-se.