Rui Gaudêncio

Façam o favor de pensar duas vezes antes de grelhar esse peixinho

Quando se olha para um peixe é preciso pensar cuidadosamente na maneira de cozinhá-lo. Não é uma decisão fácil. Deve-se procurar a colaboração do cozinheiro.

Nos últimos seis meses tenho experimentado comer cozidos peixes e moluscos que geralmente se comem grelhados ou fritos: chocos, chicharros, peixes-galo, pregados, robalos, douradas, rodovalhos, chernes e linguados.

Em todos os casos, se o peixe for gordo, fresquíssimo, estiver bem conservado e for devidamente preparado no caso dos peixes mais magros (o linguado, por exemplo, ganha em ser arrepiado com sal uma hora antes), ele é sempre melhor cozido — seja em água, seja ao vapor — do que grelhado.

É um preconceito terrível dos portugueses pensar que há peixes para cozer (garoupa, pescada) e peixes para grelhar.

A estratégia japonesa é melhor do que a nossa: se o peixe for muito fresco come-se cru. Ou coze-se em água do mar ou com vapor. O princípio é simples: altera-se o menos possível o sabor e a textura do peixe. Depois grelha-se, frita-se ou faz-se no forno, muito temperado, à medida que o tempo passa.

Em princípio, um peixe pouco fresco mas comestível pode ser bem disfarçado num caril. Mas eu cá nunca como peixes ou mariscos muito “trabalhados” porque desconfio deles. Tenho de ver o peixe inteiro e inspeccioná-lo à minha vontade, antes de decidir como o quero comer.

Quando comi o chicharro cozido estava à espera de detestar. Adoro chicharro cru e grelhado. Fiquei espantadíssimo quando o comi cozido: estava delicioso; o melhor de sempre.

A grelha acrescenta sabores ao peixe — carameliza e fuma — mas também rouba o sabor do peixe. Os peixes grelhados parecem-se uns com os outros. Cozidos, cada um mantém a personalidade gustativa.

Outro preconceito é a utilização de azeite. Se o peixe cozido for realmente bom, já traz a gordura suficiente. Não precisa de azeite ou, em caso de teimosia, precisa de muito pouco.

Também estava à espera de não gostar de um choco gigante com dois quilos que, em vez de ser frito, grelhado ou posto ao serviço de uma feijoada, foi simplesmente cozido em água do mar.

Pela primeira vez percebi o gosto particular do choco: é subtil mas encantador, entre o sabor da lula e do polvo mas inconfundível com ambos aqueles moluscos.

Os americanos comem lavagante cozido com manteiga derretida e nós achamos estranho. Ainda há muita gente que come com maionese. Mas um lavagante é bom sozinho da costa. Comemo-lo quente, acabado de cozer, mas não nos passaria pela cabeça regá-lo com azeite.

Com o choco não é bem assim: um pequeno fio de azeite recomenda-se. Mas sempre sem se sobrepor ao sabor do choco.

O cherne e o pregado foram revelações. Nunca mais os como grelhados. Fica-se apaixonado pelo sabor do cherne e pelo sabor do pregado e a única maneira de reencontrá-los é cozendo-os.

É preciso cozê-los quando é a época deles. Agora, por exemplo, está a acabar a época dos robalos, sargos e das douradas e faltam umas semanas para acabar a época dos pregados, rodovalhos, linguados e chernes.

Por outras palavras: só há três meses em cada ano em que vale a pena comer cada um dos peixes cozidinho. Nos outros nove meses estão magros de mais.

Não há milagres. Sem conhecer as épocas dos peixes estará logo à partida desorientado.

Um peixe magro cozido é uma experiência horrível, por muito fresco e famoso que seja. Mais vale uma posta de um peixe congelado quando estava na época dele.

Os portugueses, mesmo assim, gostam mais de peixe cozido do que sei lá o quê. Gostam de polvo cozido, de ovas cozidas, de bacalhau cozido e de garoupa e pescada cozidas. É altura de nos aventurarmos a cozer as restantes dezenas de peixes que nos esperam.