Na ponta da língua

É um prazer fazer mostarda num instantinho e é num instantinho que passa o prazer da mostarda
Se é como eu, um apreciador de mostardas, não há nada como fazer uma mostarda para perceber o que se passa.
Não podia ser mais fácil. Na verdade, só precisa de sementes de mostarda e de vinagre. Como o resultado é um pouco amargo, acrescenta-se uma pitada de doçura para arredondar. O resto são temperos: os piri-piris, os cominhos, o vinho branco e tudo o mais.
Deixemos os temperos de parte. Cada um há-de gostar de uma mostarda diferente. O que importa é começar por uma mostarda simples.
Edmond Fallot é um dos melhores e mais antigos fabricantes de mostarda. Tem o defeito de ter a mão salgada. Mas também tem a grande vantagem de vender ao público sacos de juta com cem gramas de sementes de mostarda cultivados por eles na Borgonha.
A mostarda de Borgonha é mais interessante do que a de Dijon e até recentemente estava em declínio. Agora, graças à Moutarderie Fallot e a outros produtores, já podemos fazê-la em casa. Cem gramas custam 7 euros. É uma fortuna mas dá para fazer muita mostarda, usando 10 gramas de cada vez.
Tape-as com o vinagre de vinho de que mais gosta. Se gosta mais de vinagre de cidra ou doutro qualquer, use-o. Tanto faz. O que interessa é que goste do gosto.
Agora terá de esperar 36 horas. À medida que as sementes forem inchando deite-lhes um pouco mais de vinagre, para tapá-las.
Com uma varinha mágica reduza as sementes a uma pasta. Prove. É esse o maravilhoso sabor da mostarda. Pode acrescentar-lhe um bocadinho de sal. Nós cá em casa gastamos uma colher de chá do arroube feito do mosto de uva pela dona Celeste na Quinta Margem d’Arada. Tal como a lendária uvada, não leva açúcar nenhum.
O arroube é o contraponto perfeito do vinagre. Também pode usar uma gota de um verdadeiro vinagre balsâmico. Assim se faz uma mostarda deliciosa sem açúcar. Uma alternativa mais gulosa é uma colher de um bom chutney de manga (a marca Sharwood’s é de confiança).
A mostarda sai sempre bem, claro. Quando as sementes são tão boas como as borgonhesas não precisam de mais nada.
Para experimentar, pode comprar-se um pacotinho de sementes de mostarda de cada cor: amarelas, castanhas e pretas. Divertimo-nos muito a fazer misturas delas e a acrescentar ingredientes.
Para dar espessura pode usar iogurte ou crème fraîche. Não se preocupe em estar a tirar longevidade à mostarda por acrescentar ingredientes perecíveis.
Feliz ou infelizmente, a mostarda fresca, acabada de fazer, perde a força e a piada passados dois ou três dias. É uma questão de fazer pouco dia sim, dia não. São uns minutos de trabalho e 36 horas de espera.
Tal como tantas outras coisas da cozinha — o vinagre, por exemplo, que se faz sozinho, desde que o vinho seja puro e não tenha aditivos —, a mostarda é um condimento facílimo de fazer que pode ser infinitamente personalizável.
As mostardas comerciais são muito boas mas estão cheias de conservantes (e de calorias). Há uma que é insubstituível, que é a mostarda em pó da Colman’s. Tem o sabor da verdadeira mostarda inglesa e é impossível imitá-la.
Se puder compre uma lata enorme, de 454 gramas. Não só sai mais barato como ficará com uma lata lindíssima, com tampa e tudo.
A Colman’s apresenta as mostardas em frascos e tubos mas, embora deliciosas, são sempre inferiores à mostarda acabada de fazer. Não há melhor acompanhamento para o rosbife à inglesa.
Deve preparar-se com 15 minutos de antecedência, misturando igual quantidade de água e de pó de mostarda. Depois há um período de cerca de uma hora em que a mostarda está perfeita, antes de começar a esmorecer.
É preciso receber de sorriso aberto estes sabores efémeros. Como é que a mostarda se tornou numa massa líquida que passa semanas — e meses — a fio no frigorífico?
Reencontrar o caminho das coisas é sempre mais simples do que parece.