As narinas e as papilas gustativas entram em festa com um misterioso e bem fadado vinagre de vinho branco ribatejano

Quando aqui escrevi elogiosamente sobre o magnífico vinagre Moura Alves como sendo o único que merecia estar nos píncaros, uma mão amiga, não discordando da distinção, fez-me chegar às mãos uma garrafa de Vinagre Oliveira Ramos, feito por João Portugal Ramos (JPR).

Oliveira Ramos é nome de família dele e não poderia calhar melhor ao azeite que faz. Mas é do vinagre que vou aqui falar.

Mal comecei a investigar dei logo com um belo artigo de Junho de 2012 do Miguel Pires no excelentíssimo blogue Mesa Marcada. Diz ele que, mal começava o actual milénio, JPR fez uma colheita tardia de vinhas ribatejanas das castas Arinto e Fernão Pires.

Como não terá correspondido ao que JPR esperava, tomou uma decisão brilhante: deixou-o converter-se em vinagre, envelhecendo-o durante oito anos em barricas de castanheiro e carvalho americano.

A fermentação foi parada para deixar açúcares residuais. Que quer isto tudo dizer? Que este vinagre, para além da grande frescura (das castas brancas), tem um umami formidável. Há sabor de passas e de arroube, ecos até de uvada.

Lembrei-me logo do arroube e da uvada celestial que a dona Celeste faz na Quinta Margem d’Arada, em Olhalvo, perto de Alenquer. As crónicas em que falei destas maravilhas foram, de longe, as que mais me agradeceram.

Entretanto, a dona Celeste tem-nos mandado uvadas envelhecidas que trazem lágrimas aos olhos, como recordações do que nunca nesta vida experimentámos de tão bom. São doces a que não se acrescenta um único grama de açucar: só o mosto das uvas é bastante.

O vinagre de JPR, que tem DOP da Região do Tejo, também tem essa personalidade ribatejana e a mesma enigmática magia. O vinagre não tem nada de doce - é um vinagre refrescantemente ácido - mas a circunstância da colheita tardia e a sabedoria enológica e a intuição de JPR conspiraram para produzir um vinagre grandioso e único.

A tragédia é que, segundo depreendi da recensão de Miguel Pires, só se deve este vinagre a uma experiência que não se repetirá. Sabe-se que as colheitas tardias são muito arriscadas e dispendiosas. Mas, tal como escreveu Miguel Pires, “é caso para dizer: perdeu-se aquilo que provavelmente viria a ser um banal vinho de colheita tardia para se ganhar um vinagre de excepção”. 

O vinagre vende-se a cerca de 8 euros por um quarto de litro e é uma daquelas pechinchas que acontecem duas ou três vezes numa vida. É delicioso em saladas e peixe cozido mas deve ser espectacular como contraponto de carnes estufadas. Como tem umami deve ser melhor do que sumo de limão em todos os pratos que costumam pedir sumo de limão.

Deve ser monumental com queijo derretido ou qualquer sanduíche fresca ou torrada, substituindo o Worcestershire sauce da Lea & Perrins.

Para já, como todos os bons vinagres, é delicioso sozinho. Faz-se uma pocinha no prato e pode molhar-se lá pedacinhos de pão, batatas fritas (à moda inglesa) ou batatas cozidas.

Como todos os bons vinagres, tem um bouquet formidável: vale a pena deitá-lo para um copo de prova e deleitar as nossas expectativas olfactivas. Quase que apetece bebê-lo, raios o partam. 

Mas, sendo tão raro, é um vinagre bom de mais para beber. É mesmo verdade: há vinagres bons de mais para beber. Enquanto os apreciadores de vinhos não começarem a exigir, dos enólogos dos vinhos de que gostam, vinagres de grande categoria, continuaremos apenas a contar com dois grandes vinagres: o Moura Alves e o Oliveira Ramos.

A figuraça e o favor que não faria um bom restaurante que servisse, ao lado de dois bons azeites, estes dois bons vinagres portugueses! É que, havendo escolha, há pratos e alturas em que é preferível o Moura Alves e outros e outras em que apetece mais o Oliveira Ramos.

É uma escolha simples e deliciosa, apenas possível por serem dois os vinagres.

Alguém dá três?