Paulo Ricca

Já é Natal para as grandes verduras portuguesas: os belos brócolos, os ditosos grelos e a nobilíssima couve portuguesa

Nos restaurantes é bom pedir para ver os bróculos crus. Não há nada tão bom como os cozidos no momento e servidos a fumegar, assim como não há nada tão mau como bróculos requentados, descoloridos e insípidos, a desfazerem-se de tão torturados.

É grande pena que tantos portugueses façam com os bróculos, grelos e, sobretudo, com a couve portuguesa, o que fazem com o vinho do Porto: guardam-no para o Natal.

Não é verdade que a época destas excelsas verduras seja o princípio do Inverno, quando vem "o frio". Já estamos na época dos bróculos, dos grelos de nabo e de couve e, sublinhe-se, da couve portuguesa.

De que estamos à espera?

Esta semana, no dia 12 de Novembro, comemos um cruzamento dramático e delicioso. Para acompanhar uns salmonetes de Sesimbra comemos um feijão verde de saída e uns bróculos a entrar. Despediram-se uns dos outros. O feijão verde deve ter sido o último bom do ano e os bróculos eram dos primeiros.

O cruzamento até foi triplo porque conseguimos comprar dois tomates maduros que ainda não tinham sido informados que o Verão já acabou. A salada de tomate pedia um dia mais quente mas, mesmo assim, caíu muito bem: só lá para Agosto de 2014 é que voltaremos a encontrar tomates comme il faut.

Comer simultaneamente o que está a acabar e o que está a começar pode ser épico e melancólico, assinalando um render da guarda, de uma verdura para a outra.

Gosto sempre de acompanhar o peixe com duas verduras em vez de uma só, como é hábito.

Nos restaurantes é sempre bom desconfiar das verduras salteadas. O alho e o azeite servem para esconder a velhice e o estado de segunda-mão das verduras.

A couve portuguesa é a mais tragicamente esquecida pelos restaurantes. Não se percebe porquê. Quando é tenrinha, coze-se em pouco mais de quinze minutos. De onde veio a ideia de que só acompanha bem polvo e bacalhau? Fica bem com quase tudo.

Passeia-se pelo país e só se vêem couves portuguesas abandonadas ao vento. São gigantescas e rijas como cornos. Até as lagartas fogem delas, sabendo que gastam mais calorias a digeri-las do que ganham por comê-las. Que mal fizeram estas couves portuguesas? Porque é que não as apanharam quando eram novas e tenrinhas?

Também não percebo porque é que cozemos sempre as verduras em água. Quando se vai a um bom restaurante chinês (como o Mandarim no Casino Estoril-Sol) ou japonês (como o Tomo em Algés) fica-se deslumbrado com a frescura das hortaliças, matematicamente cozidas no vapor, sem diluir as qualidades gustativas.

Há restaurantes portugueses onde é preferível comer a água onde cozeram as couves ou os grelos - sempre dão um simples mas saboroso caldinho - do que os vegetais cozidos até à exaustão que emergiram dela, sabe-se lá há quanto tempo.

A nossa cultura gastronómica, aliás, é comer estas verduras como elemento principal ou único de uma refeição. Qualquer peixinho ou carne, em dose pequena, é que serve de acompanhamento.

Comer sem respeitar as épocas e os lugares é como andar desnorteado. Ainda por cima é fácil saber quando as hortaliças e as frutas estão na época: é quando há fartura delas. Não só são melhores do que as importadas ou aldrabadas como são muitíssimo mais baratas.

No entanto comportamo-nos exactamente ao contrário. Comemos as frutas e as hortaliças e os peixes cedo ou tarde de mais, quando são mais caros.

Só nos princípios de Novembro é que a sardinha atingiu o primor. Comemo-las cruas em sashimi e assadas à portuguesa. Estavam tão gordas que sobrava pouco espaço para a cabeça. Tinham os olhos quase em cima da boca. Mas quem é quer sardinhas em Novembro, quando passou o Verão a comê-las magras, pequenas, importadas e caríssimas?

Temos todos de sintonizar as nossas cabeças e as nossas bocas com a natureza à nossa volta. Para voltarmos a comer bem e a bom preço, antes que seja tarde de mais.