Tiago Machado

Afortunado é Portugal, onde veio morar a princesa japonesa Kayo-san, feitora e autora da mais fina pastelaria e gelataria

Qual é a mais deliciosa orgia de pastelaria de luxo que se consegue na zona de Lisboa por 7 euros? É no glorioso restaurante Tomo em Algés, pela mão de Kayo-san, Kayo Iwasaki, mestre pasteleira, que casou com Tomo-san, Tomoaki Kanazawa, há um ano e meio.
 
Kayo-san, para além de todas as técnicas japonesas e francesas de pastelaria, tem um dom para criar clássicos franceses com elementos japoneses mas sem diluir nem uns nem outros. Dir-se-ia que é impossível mas é preciso ir lá provar: não é.
 
Os restaurantes de sushi, no Japão ou seja onde for, não costumam ter sobremesas de alta pastelaria francesa. Mas o Tomo, em Algés, tem. Depois de um perfeito (não há outra palavra) almoço ou jantar, vêm sobremesas que tinham todo o direito de ser pratos principais.
 
Kayo-san e Tomo-san trabalharam juntos num hotel no centro de Tóquio em 1989 e 1990. Ela é filha de um proprietário de um grande restaurante francês e tinha tirado o curso de pastelaria japonesa. Estava a trabalhar profissionalmente como pasteleira para, três anos mais tarde, atingir a experiência suficiente para trabalhar no restaurante francês do pai, como chefe de pastelaria.
 
Conheceram-se apenas como colegas em secções diferentes: Kayo-san na pastelaria e Tomo-san na cozinha. Mal sabiam que, mais de vinte anos depois, graças ao Facebook, estariam a trabalhar lado a lado, em Portugal, como marido e mulher.
 
Duas vezes por ano Kayo-san e o pai visitavam Paris para passear, ir a bons restaurantes e, sobretudo, aos restaurantes e às pastelarias dos melhores chefes de pastelaria. Estes acarinharam Kayo-san ao longo dos anos, espantando-se com as capacidades técnicas dela. Ela ensinava-lhes a alta pastelaria japonesa e eles retribuíam ensinando-lhe tudo o que sabiam.
 
Ela era a cliente ideal. O pai dela não acreditava em fazer poupanças em Paris. Para aprender pastelaria francesa, era preciso, primeiro, aprender a apreciar a plenitude e a fineza das criações dos grandes chefes, muitas das vezes do sexo feminino.
 
Porque é que Kayo-san deixou Tóquio e o restaurante francês do pai? Por amor a Tomo-san. O pai e a família perguntavam-lhe se estava doida: estava tão bem, tinha tudo o que queria e ia para
Portugal? Se queria deixar o Japão por uns tempos porque não se mudava para a amada Paris, onde vários grandes restaurantes se bateriam para a contratar como pasteleira?
 
Kayo-san explica que, para além do amor por Tomo, o que a convenceu a ficar em Portugal foi a simpatia dos portugueses. Os parisienses eram menos demonstrativos e calorosos. Um grande obrigado nosso aos portugueses e portuguesas que foram simpáticos com a Kayo-san: foi graças a vocês que nós temos acesso às criações maravilhosas de tão talentosa e inventiva pasteleira!
 
Quem já foi ao Tomo sabe o espírito de adoração que os clientes têm por Tomo-san e por Kayo-san. A primeira vez que se come uma sobremesa dela fica-se sem palavras. Não é só por não estar à espera de pastelaria de fazer sorrir de espanto. É porque os bolos e os gelados são tão brilhantemente deliciosos que fazem disparar papilas gustativas que não sabíamos que tínhamos.
 
Kayo-san muda a ementa de dois em dois dias! É porque sabe fazer tanta confeitaria e tem tantas ideias que não sabe estar quieta. A última vez que lá fomos almoçar (um banquete sublime, como sempre) a sobremesa especial que comemos (por 7 euros, repito) começou com a tarte de chocolate. A massa era firme mas delicada, para fazer sobressair o sabor do chocolate preto, macio e excitante.
 
Seguiu-se uma levíssima profiterole de execução perfeita (coisa muito rara, diga-se) com creme de chá verde e um molho de chocolate de fazer chorar por mais.
 
De cair da cadeira foi o gelado de yuzu (espécie de laranja japonesa): o melhor que já comi na vida.
 
Desde que o genial Fabian N’guyn deixou Portugal (começando no Fortaleza do Guincho) que não tínhamos quem nos tentasse seriamente a gula doceira. Agora, com Kayo-san, voltamos a ter esse privilégio.
 
Que fique cá muitos e muitos anos e que todos sejam tão felizes como as felicidades que nos trouxe, Kayo-san!