Na ponta da língua

O verdadeiro chá marroquino é uma bebida à parte, inventada com génio e sabedoria
Miguel Esteves Cardoso visitou a festa da cultura marroquina que se realizou no Castelo dos Mouros, em Sintra. E deixou-se encantar pelo chá de hortelã marroquino
À chegada, fomos convidados a tomar um chá marroquino que nos deixou encantado. O senhor que foi nosso anfitrião conversou longamente connosco e até nos confiou a receita do chá, que é bastante diferente daquelas que vêm nos livros e na Internet.
Em primeiro lugar, é preciso afirmar a grande calma em que o chá é tomado. Não há nem o formalismo europeu ou japonês mas há uma boa-educação extrema, uma falta de pressa, uma curiosidade serena.
O chá é delicioso e refrescante. Chamam-lhe o whisky marroquino porque, apesar de não conter álcool, claro, tem o condão de extrair o sabor da hortelã que se encontra num mint julep bem feito.
Já experimentei aldrabar a receita mas nunca ficou bom. Vale a pena encontrar os ingredientes certos.
O chá verde que o nosso anfitrião usou era chinês, da marca Chameau, com "Thé Vert de Chine" e "Gunpowder Grade 1" na embalagem. Encontra-se online por cerca de 5 euros por 250 gramas. Não vale a pena tentar usar outros chás verdes gunpowder: este é aquele que os marroquinos usam quando não têm chá marroquino à mão.
A outra dificuldade é a hortelã. Tem de ser fresquíssima e idealmente da variedade Mentha spicata ("Nana"). No entanto,a hortelã que mais se encontra em Portugal serve perfeitamente para desenrascar.
Não caia é na esparrela de comprar um dos muitos pacotes de "chá marroquino de menta" que por aí se vendem. São preparados dúbios com hortelã seca e, logo, inaceitáveis. Quanto mais bonita (e cara) a embalagem, mais depressa deve fugir dela.
O chá de hortelã marroquino tem de ser feito no momento, demora bastante tempo a fazer e só leva chá verde gunpowder, hortelã acabada de apanhar, açúcar e água. É, por conseguinte, uma excelente bebida que sai baratíssima. 250 gramas darão para cerca de 200 copinhos de chá. Juntando a hortelã e o açúcar, cada shot quentinho e fumegante sai por menos de 5 cêntimos.
Precisa de 2 bules: o bule onde fará a infusão e o bule para servir. Deite água a ferver sobre o chá e espere entre 12 a 15 minutos sem mexer. Filtre o chá para um tacho, acrescente açúcar e deixe ferver dois minutos. Isto incorpora o açúcar de uma maneira especial. No bule de servir ponha uma quantidade generosa de folhas de hortelã e deite-lhes em cima o chá adoçicado. Retire as folhas ao fim de três minutos, para não azedarem.
Ponha uma folha de hortelã em cada copinho e deite o chá a um metro de distância, para fazer bolhinhas. Encha os copos só até meio ou um terço.
É tradicional que seja o homem a fazer e a servir o chá. Depois de feito o chá, é tempo de descansar. Inteligentemente, o chá, sem folhas de chá ou de hortelã, já não se pode estragar. Se o bule for grande e os copinhos forem elegantes dá para servir muitas pessoas durante uma bela hora e tal. O chá sabe bem quente ou tépido. Não há mais preocupações.
Não só é insultuoso recusar um chá de hortelã como é ofensivo não beber dois copinhos. Acontece como os dry martinis, quando são bem feitos: dois não chegam e três são de mais.
É tal a variedade de bebidas de "menta", com ou sem limão, com infusões e chás de todas as variedades e (falta de) qualidades, que é bom encontrar uma bebida sublime que, desde que feita da mesma demorada maneira, será sempre sublime.
Há uma ligação entre o tempo que leva a fazer e o pouco trabalho que dá. Mas a ligação mais profunda é entre o tempo e a hospitalidade. A visita aprecia um chá tão cuidosamente preparado.
Claro que há um charme particular em beber chá marroquino feito e servido por um marroquino no Castelo dos Mouros. Civiliza e acalma-nos.
Para mim foi como descobrir uma nova categoria de bebida que nunca deixarei de beber. Vai contra todas as receitas para chás verdes - a infusão prolongada, o ferver depois com açúcar - porque é assim que fica mesmo bom. Mesmo com hortelã (e água) portuguesa.