Na ponta da língua

O gelo, tal como a água, é um recurso natural de primeira necessidade e não podemos continuar a desconsiderá-lo
Não se pode enfrentar o Verão sem gelo de qualidade. Infelizmente, o gelo em Portugal é péssimo. As máquinas capazes de fazer gelo bom custam dezenas de milhares de euros. Mas podemos fazer gelo bom em casa.
Com mau gelo todas as bebidas se estragam, ficando diluídas depressa de mais. Se a água do gelo não for boa, o sabor dela estragará a bebida.
Pensamos que sabemos tudo sobre gelo mas sabemos pouco. Até hoje ninguém conseguiu explicar por que é que uma cuvete cheia com água acabada de ferver congela-se mais depressa do que uma cuvete cheia com água fria. Mas nunca falha: experimente e verá. Um segundo benefício: os cubos de gelo sairão menos turvos.
A primeira coisa a considerar em matéria de gelo é a superfície exposta: quanto maior for, mais depressa diluirá. É por isso que aqueles cubos com buracos que se compram nas bombas de gasolina se derretem num minuto: não prestam para nada.
A forma esférica é aquela com menor superfície exposta e, por conseguinte, é a melhor para um pedaço de gelo. Quanto maior for a bola, melhor.
A máquina mais espantosa para fazer bolas de gelo (sem precisar de electricidade) é a Ice Ball Maker da Drinksology. Vale a bem ir ao site www.iceballmaker.com para ver os vídeos de demonstração: são impressionantes.
É divertido esculpir gelo com uma picareta. Há truques para fazer bolas quase perfeitas mas se não estiver com paciência bastam umas pancadas com uma picareta de gelo para conseguir um grande cubo de gelo.
Há quem fique obcecado pela transparência do gelo. Usa-se água filtrada e ferve-se seis vezes seguidas, para perder todas as bolhinhas de oxigénio. É o facto de o gelo ficar mais compacto e menos diluível que mais nos deve interessar.
Há bebidas tão boas que merecem gelo com água boa. Mas não é preciso estar a comprar água mineral: basta filtrar a água da companhia com um jarro Brita. Melhora também o chá e o café.
Encha um alguidar rectangular de água filtrada e ponha-o no congelador ou na arca, tapada com um saco de plástico para não apanhar outros cheiros. Quando precisar de gelo vá lá com a picareta e tire o naco que precisar. É bom esculpir o gelo conforme as dimensões do copo onde irá parar.
Quanto mais tempo o gelo estiver no congelador menos derreterá. Quanto mais baixa for a temperatura da congelação, melhor e mais duradouro será o gelo.
Os bares e as discotecas usam gelo mau (que é feito por máquinas baratas) para se derreterem mais depressa. Os clientes são levados a beber mais depressa as bebidas, para ainda apanhá-las vagamente frescas. Esse gelo é mau para o fígado e para a carteira.
O gelo não deve ser visto como um agente de arrefecimento. O gelo é água congelada. A água ajuda a fazer abrir certos sabores e é por isso que a água deve ser de boa qualidade. Mas o gelo também tem de ser bom (grande, compacto, muito frio) para que a diluição seja muito lenta e gradual, para não inundar a bebida.
Caso se pretenda arrefecer uma bebida sem diluí-la coloca-se num balde com gelo e sal grosso, dando-lhe voltas rápidas. Aí já não interessa nada a qualidade do gelo.
Nos bons bares de cocktails o gelo é tratado com todo o respeito devido a um ingrediente principal. Não interessa se vamos beber uma limonada ou um Manhattan. As bebidas têm de ser feitas no momento e o gelo tem de ser fresquíssimo também.
Antes de pedir uma bebida com gelo peça para lhe trazerem um pedaço de gelo num copo. Se for de má qualidade não desperdice boas bebidas com ele. As máquinas costumam ser más mas, mesmo quando são um bocadinho melhores, esquecem-se de as esvaziar de vez em quando e o gelo fica chocho e mole.
Escusado será dizer que o gelo é causa de intoxicações sem ser alcóolicas. A água suja congela-se tão bem como a água limpa e as bactérias são invisíveis. É preciso ter sempre muito cuidado com o gelo.
Com bom gelo todas as bebidas melhoram. Sem bom gelo nem as melhores fogem à mediocridade. Viva o bom gelo!