Na ponta da língua
Os whiskies irlandeses estão cada vez mais confusos e ainda bem que assim é
As pessoas que falam de whiskey irlandês - e são cada vez mais - pensam que estão a falar de um tipo de whiskey feito na Irlanda que é destilado três vezes e não é turfado, distinguindo-se assim dos whiskies escoceses, que são destilados duas vezes e são turfados.
A primeira coisa a dizer, só para voltar a repor a confusão necessária, é que há alguns whiskies de malte escoceses que são destilados três vezes (como o Auchentosan) e bastantes que não usam turfa (como o Glengoyne). Há também vários whiskies irlandeses que são destilados só duas vezes (como o Kilbeggan) e pelo menos dois que são turfados (o Connemara e o Clonmell).
A melhor maneira de falar de whiskey irlandês é falando das três maiores destilarias: Midleton e Cooley, na República da Irlanda, e Bushmills, na Irlanda do Norte, que ainda pertence ao Reino Unido.
A regra geral é que em Midleton e em Bushmills todos os whiskies são destilados três vezes e em Cooley (que agora pertence à Jim Beam) quase todos são destilados apenas duas vezes.
A tripla destilação, para os defensores, garante uma maior suavidade. Para os adversários, retira carácter. Cooley é uma destilaria bastante recente e, para se distinguir dos dois muito maiores concorrentes, dedicou-se a fazer experiências (e marcas) de todas as espécies.
Entretanto, a companhia familiar mais antiga da Escócia – a William Grant & Sons – comprou recentemente a marca Tullamore Dew e já prometeu construir uma nova destilaria em Tullamore, repondo a localidade original do nome. Será interessante ver como se sairão, já que costumam sair-se bem.
A Irlanda chega a ser mais complicada do que a Escócia na variedade de whiskies porque, para além de blends, de whiskies de cevada malteada (malt), whiskies de vários cereais (grain) e pelo menos um single grain whiskey (Greenore) produz um whiskey tipicamente irlandês que é o pot still.
O whiskey pot still irlandês contém cevada malteada (germinada) e cevada crua. Historicamente foi para escapar aos impostos, já que a cevada malteada (que poderia servir para fazer cerveja e whiskey) pagava um imposto muito mais alto.
No princípio do século passado, todos os whiskies da República da Irlanda eram pot still. Mas só chegaram ao fim do século dois dignos de nota: o Redbreast 12 anos e o Green Spot, ambos destilados em Midleton. Os destiladores irlandeses acabaram por ceder aos argumentos económicos e seguir o exemplo das companhias escocesas, que misturavam os caros whiskies de malt, destilados em alambiques tradicionais com os muito mais baratos whiskies de grain, destilados num alambique contínuo, para produzir blends consistentes e mais facilmente comercializados.
Hoje, em 2013, há mais sete: o Redbreast de 15 anos e o de 12 anos cask strength, o Yellow Spot, o Powers John’s Lane, o Midleton Barry Crockett Legacy e ainda um single pot still novo (poitin) da Cooley.
A excepção foi Bushmills, que sempre destilou whiskey de malte, em alambiques tradicionais a que se chamam, para mais confundir as coisas, pot stills. Na mesma unidade de produção também destilam os grain whiskies de vários cereais que depois misturam com os maltes para criar os vários blends da Bushmills. Também fazem pelo menos três whiskies exclusivamente de malte: o de 10 anos, o de 16 e o de 21 anos.
No século XXI a Midleton (que pertence ao grupo Pernod) relançou com grande êxito os single pot still whiskies. A cevada crua dá um gosto especial ao whiskey. É paradoxal, mas os apreciadores de whiskies de malte escoceses, que não gostam muito ou nada dos blends irlandeses, costumam gostar dos pot still whiskies irlandeses, sobretudo do Redbreast.
Terá de provar todos antes de saber se gosta ou não de algum dos muitos whiskies irlandeses. Se ficou confuso, prometo-lhe que lhe saberá bem a elucidação através da experiência.
Não é preciso escolher entre whiskies escoceses e irlandeses. Só é preciso escolher entre whiskies, sejam de que nacionalidade forem.