Na ponta da língua

Nunca compre whisky rocks: uma história de proveito e exemplo sobre o whisky da pedra
Sempre fui um otário mas, provavelmente como todos os otários, pensava que a passagem dos anos e a acumulação de barretes tinham tido algum efeito profiláctico. Nada disso.
Venho aqui denunciar um barrete que teve direito a uma longa notícia no New York Times e que está largamente difundido pela Amazon e por outras lojas online.
Refiro-me aos whisky rocks, uns cubos de talcoxisto que, depois de passarem uma noite no congelador, se põem no whisky com a promessa de arrefecê-lo, sem meter água, como fazem os cubos de gelo.
Um dos comerciantes gabou ao New York Times que a frase dele é “Ice melts. Whisky rocks” (O gelo derrete-se. O whisky é que interessa).
Durante dois anos resisti à pressão. Mas este mês, no primeiro dia de calor, cedi. Chegaram oito pedrinhas de talcoxisto numa bolsa de cetim ordinário e um papelinho mal impresso incitando-me a lavá-los com água morna e pô-los no congelador, etc.
Nos anos 1960, a minha mãe mandou um vale postal de uma libra para comprar uma “maneira 100% garantida para matar moscas sem usar pesticidas ou químicos”. Recebeu da Inglaterra duas tabuínhas de balsa e um cartão com as instruções: “Espere que a mosca pouse numa das tábuas. Dê-lhe uma pancada com a outra.”
Rimo-nos todos e lembro-me de a minha mãe ter achado que o vigarista merecia o dinheiro, tal era a lata e a graça do homem. Há vítimas que, pela gula e forretice que exibem, merecem ser enganadas. Um cigano que eu conhecia quando era miúdo vendia garrafas de cerveja Sagres cheias de água com detergente, dizendo que fazia crescer o cabelo. A pergunta favorita dele era: “Quem é que é o aldrabão? Eu que vendo uma garrafa por cinco escudos ou o careca que, por gastar cinco escudos, pensa que vai voltar a ter cabelo?”
É com genuíno pesar, portanto, que este perito de whisky vos conta a história que já imaginais. As pedras são cubos pretos e enchem o copo, dando uma cor horrenda ao whisky, para não falar no perigo de estilhaçarem o vidro.
Esperei os dez minutos que me pediam. Fui provar. O whisky estava exactamente à mesma temperatura. Ainda esperei mais dez. Nada. Tirei uma pedra e pu-la na minha boca. Nem sequer estava fria. Estava morna. Tínhamos idiota.
As pedras de talcoxisto arrefecem um bocadinho (de nada) no congelador mas mal se tiram de lá ficam da temperatura do ar. Ao contrário do gelo, são incapazes de transmitir frio às bebidas. São absolutamente inúteis.
Voltei a ler as recomendações de compradores satisfeitos e descobri que as mesmas reacções apareciam em sites, claramente escritas pela mesma empresa de marketing. No meio de muitas recomendações (“Ideal para o homem que tem tudo”, “Para o marido de gosta de whisky frio mas sem água”), lá aparece um ou outro protesto genuíno. Mas, intimidados pela aprovação geral, exprimem-se timidamente: “As minhas pedras foram uma desilusão. Se calhar são pequenas de mais...”
É um belo barrete, sim senhores. Não só não arrefece a bebida como desfeia-a inteiramente. Quem é que gosta de beber por um copo cheio de pedregulhos pretos?
É por isso que só falam em whisky — se falassem em gin tónicos ou outros cocktails on the rocks a imagem resultante horrorizaria qualquer comprador potencial. Os apreciadores de whisky fantasiam que a água que é usada para fazer whisky vem de puros ribeiros, deslizando por pedras basálticas.
Deve ser esta fantasia (que não podia ser mais irrealista) que me levou a enfiar este barrete. Gostaria de pensar que aprendi a minha lição mas já sei que não.
Tenho as pedras empilhadas aqui à minha frente para estar sempre a vê-las e me lembrar da minha vulnerabilidade. Não servem para mais nada, infelizmente.