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Mitos que comemos

O pequeno-almoço é mesmo a refeição mais importante do dia?

Todos crescemos a ouvir que o pequeno-almoço é a refeição mais importante do dia e que esta refeição deveria ser de rei, o almoço de príncipe e o jantar de pobre.

Existe algum consenso em reconhecer que indivíduos que saltam o pequeno-almoço, possuem um peso e perímetro cintura mais elevado e maior risco cardiovascular. Ainda assim, numa análise séria, não podemos justamente assumir que este maior risco está única e exclusivamente associado à ausência de uma refeição, até porque no fundo estamos a falar de mais calorias e muito provavelmente mais açúcares e gorduras saturadas. O que estes estudos observacionais realmente transmitem é que quem salta o pequeno-almoço, muito provavelmente também tem outros comportamentos alimentares desequilibrados. Nestes estudos conseguimos perceber que quem salta o pequeno-almoço também tende a fumar mais, a beber mais álcool, a deitar-se mais tarde e fazer menos exercício (muitas vezes a desculpa do “não há tempo” tanto serve para o pequeno-almoço como para o treino). Como todas estas condições não ajudam em nada o nosso controlo glicémico, não se estranha minimamente quando se observam associações entre inexistência de pequeno-almoço e incidência de diabetes tipo II.

Partindo da generalidade destes estudos, há que perceber depois a especificidade da forma como cada indivíduo se comporta durante o dia quando salta o pequeno-almoço. E a este nível, todos nós conhecemos pessoas que não tomam o pequeno-almoço em casa e comem “qualquer coisa” no café perto do local de trabalho (leia-se um croissant, pastel de nata, por exemplo) ou chegam com demasiada fome ao almoço acabando por não ter o discernimento para escolher um prato equilibrado. Ficando cheios do almoço não comem nada durante a tarde, e o cenário de fome/ingestão abusiva ao jantar repete-se. Por sua vez, este acúmulo calórico no final do dia tende a diminuir o apetite na manhã seguinte, iniciando-se assim um novo ciclo vicioso. Mas nem sempre é assim. Certamente existirão pessoas que não tomando o pequeno-almoço, fazem com que o aumento de calorias no almoço seguinte ou durante o dia inteiro não seja sobreponível àquelas que existiram nessa 1ª refeição. Como tal, a abordagem mais correcta é perceber a rotina e o apetite matinal de cada pessoa e depois tomar a melhor opção.

Tudo isto quer dizer que quem por norma não faz o pequeno-almoço (independentemente da razão), não tem obrigatoriamente de o passar a fazer. Aliás, esta falta de rotina pode até resultar num aumento de calorias ingeridas e ganho de peso quando se força a ingestão de uma refeição que habitualmente não está lá e como tal não se faz a devida compensação nas refeições seguintes.

Uma outra ideia bastante enraizada é que o pequeno-almoço é absolutamente essencial para um bom rendimento intelectual, algo que não é totalmente verdade. Ainda assim, tomar um pequeno-almoço com carga glicémica controlada - ou seja não juntar demasiados hidratos de carbono como pão com compotas, leite achocolatado com bolachas, e até mesmo a nova junção “mega-fit” tapioca/açaí + banana + granola/aveia -  pode de facto dar uma ajuda a quem tem de entrar a 200% no seu dia de trabalho.

Se não existe então evidência insofismável que o pequeno-almoço é essencial, porque é que o seu consumo está associado a indicadores de saúde mais benéficos? Justamente por esta refeição ser um bom barómetro da importância que cada indivíduo dá à alimentação. Dificilmente vemos alguém que quando acorda tem tempo para preparar um batido de fruta ou uns ovos mexidos com abacate ou pão integral com queijo fresco a “estragar-se” nas outras refeições! É por isso normal que os indivíduos que tomam regularmente o pequeno-almoço tenham um peso mais saudável, mas convém não inverter o nexo de causalidade e pensar que a causa é de facto a consequência.

Se existir ou não pequeno-almoço é uma opção que deve ficar ao critério de cada um, a sua composição nutricional já não deverá ser assim tão opcional. É relativamente seguro afirmar que no que diz respeito ao apetite ao longo do dia, um pequeno almoço mais rico em proteína, parece ser mais eficaz do que um pequeno almoço “normal”, mas como já foi falado em muitos outros artigos desta rubrica, um bom aporte proteico é um objectivo a atingir em todas as refeições independentemente da hora a que se fazem. Na prática, se não consegue passar da sua religiosa torrada com manteiga e meia de leite ao pequeno almoço, para ovos mexidos com fruta ou para panquecas/papas de aveia proteicas, pode sempre fazer um upgrade ao seu recheio do pão para os mesmos ovos ou salmão fumado ou queijo ou fiambre nas suas versões magras.

Em conclusão, se salta o pequeno-almoço porque não se preocupa minimamente com a alimentação, é muito provável que a sua relação com o peso seja algo conflituosa. Se o faz, como uma estratégia deliberada de jejum intermitente, o caso pode já ser diferente, desde que garanta que no final do dia as calorias que ingere sejam menores do que as que gasta. Por isso, é melhor hierarquizar alimentos e não refeições, pois importantes são todas… até as da “asneira”.

Take home messages

- Não é obrigado a comer ao pequeno almoço se não acordar com fome para isso. Se não se exceder nas refeições seguintes, é perfeitamente possível controlar/perder peso mesmo saltado esta refeição;

- Se acorda com fome e com disposição para fazer um pequeno de almoço de “hotel”, perfeito. Muito provavelmente terá o apetite muito controlado ao longo do dia;

- Se acha que mais vale “comer qualquer coisa” do que não comer nada engana-se. Antes trabalhar em jejum do que comer à pressa algo que não o vai beneficiar.