Enric Vives-Rubio

Mitos que comemos

A moda da proteína

É inegável que a proteína está na moda. Seja em pequenas refeições em marmitas, seja em shakers com proteína em pó ou até barras.

É inegável que a proteína está na moda. Seja em pequenas refeições em marmitas, seja em shakers com proteína em pó ou até barras, o aumento da ingestão de proteína no nosso quotidiano alimentar é um fenómeno que se tem vindo a registar.

Principalmente quando se falam dos suplementos, existem preocupações clássicas no sentido de “fazer mal ao fígado ou aos rins”, algo curioso porque historicamente nunca ouvimos dizer que outros alimentos desequilibrados como refrigerantes, sumos, bolachas, bolos e afins “faziam mal ao pâncreas”. E esse é um bom ponto de partida para todas as pessoas hiperpreocupadas com suplementos proteicos (desde pais a profissionais de saúde), que é fazer uma análise a todos os alimentos que povoam nos seus armários e frigorífico no sentido de perceberem se a proteína em pó é mesmo a má da fita ou se não existem lá coisas piores. Posto isto, é igualmente necessário reconhecer que a etimologia da palavra deve ser cumprida, ou seja, um suplemento é algo que não deve ser utilizado indiscriminadamente em quantidades abusivas até porque existem muitos nutrientes existentes em alimentos como o peixe, carne, ovos, leguminosas e lacticínios que não são depois transferidos para o suplemento proteico.

Passando para a ciência, existem duas questões essenciais que devem ser respondidas: porque é que a proteína é importante? E também: Os suplementos proteicos fazem mesmo mal aos rins e ao fígado?

Respondendo à primeira, seja o objectivo perder ou ganhar peso com qualidade – entenda-se, perder gordura sem perder músculo e ganhar músculo sem ganhar gordura – uma ingestão de proteína equilibrada quer na sua quantidade total, quer no seu fracionamento durante o dia é importante. Também no que diz respeito à saciedade, não sendo totalmente consensual que a proteína reduza inequivocamente o apetite, convenhamos que merendas que possuam alimentos como ovos cozidos, latas de atum e outras receitas nas quais a proteína em pó pode ser utilizada (desde panquecas a misturas de iogurtes com proteína e frutos secos), se configuram como mais saciantes que outras mais “tradicionais”. A conjugação de intervenções que utilizaram uma abordagem de ingestão proteica acima da recomendada (1,2 a 1,6g/kg), para além de melhores resultados na retenção de massa muscular, revela ainda perdas de massa gorda e triglicerídeos mais acentuadas. Mas sendo estes efeitos relativamente consensuais, existirá alguma factura a pagar pelo facto desta quantidade de proteína ser um pouco maior do que as recomendações?

Diga-se em abono da verdade que em Portugal, apesar de uma recente diminuição disponibilidade alimentar de carne e peixe (que não pode ser assumida perentoriamente como diminuição do consumo), sempre se consumiu mais proteína do que o recomendado independentemente de existirem suplementos colocados ao “barulho”. Claro está que muitas vezes uma dose de proteína em pó pode assustar muito mais alguns pais de adolescentes do que a ingestão de litradas de leite ou porções abusivas de carne e peixe (até porque nestes casos existe sempre a atenuante de que o filho está em “crescimento”). Mas argumentação falaciosa à parte, o que é que a ciência nos diz acerca do impacto renal que dietas moderadamente hiperproteicas possuem? Diz-nos pouco ou nada quanto a malefícios em indivíduos saudáveis. É importante perceber que pelo facto da restrição proteica ser uma das prioridades terapêuticas em pacientes com insuficiência renal, isto não é sinónimo de que uma ingestão de proteína acima do recomendado seja um factor de risco para essa patologia (até porque as principais causas modificáveis no que diz respeito à alimentação são mesmo a diabetes e hipertensão arterial). Estudos feitos em atletas (de pouca duração é certo) mas com uma ingestão proteica bem acima do recomendado não demonstraram nenhuma alteração da taxa de filtração glomerular nem em outros parâmetros de função renal. Mesmo em indivíduos com obesidade, as variações observadas com o aumento da ingestão proteica são modestas e sem grande relevância clínica, de modo que podemos hoje afirmar que em indivíduos sem doença renal pre-existente, uma abordagem nutricional mais hiperproteica (1,2 a 2g/kg ou 25-35% do valor energético total) possui claramente mais benefícios do que malefícios, sendo infundados os excessivos receios relativos ao seu impacto negativo na função renal.

Take home messages
- Refine bem as suas fontes proteicas no sentido de ter proteína “limpa”, eliminando peles e gorduras visíveis (um bife grelhado não é a mesmo que um hambúrguer pré-congelado ou uma picanha e uma fêvera grelhada não é mesma coisa que rojões ou bifanas) e bem distribuída ao longo do dia com as merendas acima descritas.

- Utilize os suplementos com conta, peso e medida, quando não lhe for possível e conveniente chegar às necessidades proteicas com alimentos na verdadeira acepção da palavra.

- Canalize todo o fundamentalismo que carrega relativamente aos suplementos proteicos (que já agora são substâncias permitidas e não dopantes) a todas as outras dimensões da sua alimentação, pois mesmo açúcar, fritos, álcool e tabaco são “venenos” bem maiores do que “aquelas coisas que a malta dos ginásios toma”.