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Mitos que comemos

Um manifesto contra os novos super alimentos

Alimentos como quinoa, bulgur, millet, couscous, clorella, spirulina entre outros, começam a fazer parte das rotinas diárias de muitas pessoas e faz todo o sentido um esclarecimento sobre as verdadeiras vantagens de todos eles.

Hoje em dia está na moda comer diferente. Não importa muito se é bem ou mal, importa é ser diferente, soar diferente e dar um ar mais vanguardista e sofisticado à nossa alimentação. Como tal, alimentos como quinoa, bulgur, millet, couscous, clorella, spirulina entre outros, começam a fazer parte das rotinas diárias de muitas pessoas e faz todo o sentido um esclarecimento sobre as verdadeiras vantagens de todos eles.

Começando pela quinoa, é de facto o único cereal que consegue reunir todos os aminoácidos essenciais o que é uma óptima notícia, principalmente para quem evita as fontes proteicas animais na sua dieta. Olhando para vitaminas e minerais, a quinoa não se destaca de sobremaneira dos outros cereais (apesar de possuir ligeiramente mais magnésio e ferro), algo que já não acontece no preço. Para além disso, mesmo tendo uma proteína de boa qualidade, ela apenas perfaz 4% da sua composição (quando cozinhada) e nunca terá por isso um grande impacto na nossa alimentação. Por isso, a quinoa sendo uma boa experiência gastronómica, não é depois algo que compense o grande investimento necessário.

Outros cereais que também são muito vistos como super alimentos (estes sim, apenas por serem diferentes) são o bulgur, o couscous e o millet. Neste caso, são apenas versões diferentes (e mais caras) de arroz, esparguete e batata, uma vez que não possuem nenhuma vantagem nutricional. A título de curiosidade, refira-se que o único “acompanhamento” que merece de facto o rótulo de super alimento é mesmo a batata-doce por pulverizar completamente as quantidades de vitamina A e vitamina C e Cálcio de todos os outros colegas de prato. Voltando a estes novos cereais, o bulgur (ou triguilho) e o couscous são derivados do trigo mais utilizados na cozinha do médio oriente e norte de África e que possuem igualmente glúten, algo que não deve ser esquecido por todos aqueles que queiram fazer a exclusão desta proteína da alimentação.

Já o millet, esse não possui glúten mas também não possui a grande quantidade de fibra que variadas vezes lhe é reconhecida (embora se deva reconhecer que existem diferentes espécies de millet e este valor pode variar consideravelmente). De resto é de destacar que o millet é sem sombra de dúvida o cereal com maior quantidade de compostos fenólicos, e estes polifenóis juntamente com a sua quantidade de fibra possuem reconhecidamente efeitos antioxidantes e hipocolesterolémicos para além de ser bastante útil na prevenção da diabetes ao atrasar o esvaziamento gástrico e possuir um índice glicémico reduzido. Até aqui, apenas boas notícias, mas desde há umas décadas para cá que se sabe que o millet possui alguns factores bociogénicos que perturbam o normal funcionamento da tiróide e se suspeitam estarem envolvidos no bócio endémico presente em muitas regiões com grande consumo de millet como o Sudão. Em todo o caso, face à grande disponibilidade alimentar presente no mundo ocidental e o escasso consumo deste cereal, esta situação está longe de ser considerada um sério alerta (a não ser que coma millet todos os dias).

Sobre as algas, existem algumas inverdades muitas vezes repetidas sobre a sua composição nutricional. Começando pela vitamina B12, esta é considerada uma vitamina “animal” precisamente por não se encontrar em nenhum alimento de origem vegetal… à excepção das algas. Apesar de muitas marcas que vendem a alga Clorella em pó colocarem no rótulo uma quantidade extraordinária desta vitamina, o certo é que se trata de pseudovitamina B12 que é biologicamente inactiva nos humanos e como tal sem qualquer tipo de função. Algo diferente pode acontecer com a Nori (a alga verde escura do sushi), uma vez que existem publicações que referem que as grandes quantidades que possui desta vitamina fazem dela a melhor fonte para vegetarianos. Ainda assim, a base de dados nutricional norte americana não consubstancia estes dados pois indica que esta alga não possui nenhum tipo de vitamina B12 na sua composição. No que diz respeito aos ómega 3, uma vez mais não podemos contar com as algas para um grande efeito. A Spirulina possui metade da sua fracção de ácidos gordos com o ácido palmítico (ácido gordo saturado e dos “piores”), sendo que pura e simplesmente não possui os ómega 3 mais importantes (EPA e DHA) na sua composição.

No caso da Clorella a situação não é muito diferente, uma vez que os únicos ómega 3 que possui são derivados do ácido alfa-linolénico (apenas 15% do total de ácidos gordos) e mais uma vez uma ausência total de EPA e DHA. Há todavia que reconhecer, que tirando estas interpretações abusivas da sua composição nutricional, algumas algas são um autêntico multivitamínico de largo espectro (o facto de chegar até nós no seu estado desidratado concentra todos estes nutrientes) e inseridas numa refeição como o sushi são um excelente aliado da nossa saúde.

Posto isto, os super alimentos são os nossos e os alimentos de sempre. Quem tem um património gastronómico tão rico deveria ser muito mais selectivo ao deixar entrar novos alimentos no seu quotidiano alimentar. É que se muitos há que fazem todo o sentido promover, existem outros que só emagrecem a sua carteira e apenas melhoram a saúde de quem os vende.