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Mitos que comemos

Os polícias dos legumes

Todos nós conhecemos pelo menos um “polícia dos legumes”. Aquela pessoa que não come legumes cozidos porque “já perderam todas as vitaminas” ou que não come sopa porque o “calor destrói os nutrientes”.

Todos nós conhecemos pelo menos um “polícia dos legumes”. Aquela pessoa que não come legumes cozidos porque “já perderam todas as vitaminas” ou que não come sopa porque o “calor destrói os nutrientes” e que eventualmente não mistura mais de 3,4, ou 5 (varia muito pois são indivíduos com uma sensibilidade muito apurada para estas coisas) legumes na sopa porque “engorda” (sobretudo se for abóbora, cenoura, curgete, nabo ou chuchu).

Se tivermos em conta que 100g de qualquer um destes legumes cozinhado ronda as 15-30 kcal e no máximo 5g de hidratos de carbono estamos perante um “raciocínio” que dispensa comentários adicionais.

Como tirar então o máximo partido de todos os benefícios que os legumes nos podem aportar? Pode existir a ideia de que os legumes crus são sempre melhores, mas a resposta para este questão é: depende! É certo que a água não é propriamente a melhor amiga de grande parte dos legumes e que sobretudo a cozedura é responsável pela diminuição do seu potencial antioxidante. Ainda assim, em alguns deles a temperatura tem um efeito positivo e no caso das cenouras, curgete e brócolos a cozedura, (mesmo diminuindo o teor de algumas vitaminas hidrossolúveis), consegue aumentar a biodisponibilidade de outros compostos e por consequência o seu potencial antioxidante. Aliás, todos os alimentos com quantidades interessantes de carotenos (tomate, cenoura, batata doce, couve galega, pimento) beneficiam do efeito da temperatura e da adição de azeite de modo a tornar estes pigmentos muito mais bem absorvidos. Se for possível aliar o efeito benéfico da temperatura sem o efeito negativo da água (cozer a vapor, no micro-ondas ou saltear) tanto melhor, nunca perdendo de vista que numa preparação como a sopa, todas essas “perdas” vitamínicas para a água, acabam por ser consumidas.

Quanto à escolha dos legumes, se conseguirmos ter acesso a alimentos sazonais, locais e biológicos (que apesar de menor teor de pesticidas não são necessariamente mais ricos nutricionalmente que os “convencionais”) pouco tempo depois da sua colheita tanto melhor. Ficam aqui exemplos de duas boas iniciativas a este nível, mas muitas outras existirão por todo o país. Também as versões de conveniência como as congeladas ou enlatadas são muitas vezes encaradas como um parente pobre dos legumes, mas possuem muitas vezes um potencial nutricional maior do que as versões frescas. Se é certo que o tratamento térmico que os legumes sofrem antes de serem enlatados lhe retiram alguns nutrientes, a partir daí a sua quantidade permanece relativamente estável uma vez que estão conservados num ambiente livre de oxigénio evitando a sua oxidação. Nos legumes congelados, o branqueamento (fervura) inicial e a oxidação que ocorre durante o seu armazenamento são igualmente responsáveis por uma diminuição do seu teor de nutrientes, mas há que referir que tal também acontece com os legumes frescos, sendo esta perda tanto maior quanto maior o tempo após a sua colheita (o que torna os legumes e fruta importada uma má escolha quer a nível nutricional como ambiental) e a sua exposição à luz e calor.

Vivemos numa fase em que muitas vezes confundimos as nossas prioridades e somos picuinhas no acessório e desleixados no essencial. Neste caso em concreto, olhamos para as nossas escolhas alimentares como o tudo ou nada. Ou conseguimos ter todos os nutrientes possíveis, ou então já não vale a pena comer. Errado! Vale sempre. Se não tem tempo para ter sempre em casa legumes frescos, locais e sazonais, então opte pelos congelados ou enlatados e da forma como lhe souber melhor e for mais conveniente. Tente ser o seu próprio “polícia dos legumes”, não no sentido de se penitenciar quando não consegue fazer a escolha ideal, mas de forma a disciplinar-se a comê-los todos os dias!