Mitos que comemos
Carne vermelha – da novidade à sustentabilidade
Estamos na Quaresma, mas esclarecer algumas questões relativas ao consumo de carne vermelha não é um pecado, é uma necessidade.
Nos últimos anos, muitos “dogmas” relativos àquilo que convencionalmente se designou uma alimentação saudável têm sido questionados. Um bom exemplo é a “ilibação” das gorduras saturadas no risco cardiovascular, bem como a fraca relação entre o colesterol da alimentação e o colesterol sanguíneo, de tal modo que as últimas guidelines americanas publicadas esta semana já nem sequer apresentam o anterior limite de 300mg/dia para a ingestão de colesterol. Aliás, já neste espaço anteriormente se disse que “quando o alimento é bom, não há colesterol que resista”. Neste contexto, um dos alimentos que apanhou boleia desta “new age” nutricional foram as carnes vermelhas, questionando-se mesmo se não estaríamos na altura de mudarmos o paradigma em relação ao seu consumo.
A resposta é a meu ver muito simples: Não. E até vamos deixar de fora deste artigo as questões relacionadas com a sustentabilidade e impacto ambiental decorrente do consumo de carnes vermelhas, que seriam de longe um argumento mais do que suficiente.
Quando se fazem recomendações alimentares convém que as mesmas sejam enquadradas na realidade gastronómica e cultural do país em questão. Posto isto, fará então sentido incentivar o consumo de carne vermelha num país cujo “prato do dia” por excelência é o prego no prato/bitoque e onde a bifana prolifera em muitos balcões e recintos desportivos? É útil dizer “comam mais carne” numa cultura cujo almoço “oficial” de Domingo é em muitos lares a ”carne assada”, com as respectivas sobras a serem consumidas durante a semana?
Para além desta argumentação generalista (existem muitos indivíduos que não possuem os hábitos acima descritos), há que reconhecer que as gorduras saturadas não sendo mais o bicho papão que já foram, também não são propriamente protectoras, existindo outras mais saudáveis na nossa saúde. Mas pior que tudo isto é assumir que o impacto da ingestão das gorduras saturadas é o mesmo quer sejam provenientes de carnes vermelhas ou de enchidos, carnes processadas, manteiga, bacon, natas, etc. Não é, e vai uma distância enorme entre comer um bife grelhado ou um cozido à portuguesa onde se use e abuse de enchidos e carnes fumadas ou processadas, estas sim com um impacto comprovadamente nefasto na nossa saúde.
Em suma, este não é de todo um artigo contra as carnes vermelhas, uma vez que a sua ingestão moderada pode e deve ser feita sem peso na consciência. Mas numa sociedade onde já se abusa do seu consumo, não é necessário incentivá-lo, até porque a carteira e o planeta agradecem.
Take home messages:
- Independentemente das modas, continue a deixar a gordura da carne no prato. Pode ter a certeza que não lhe vai fazer falta.
- Prefira cortes de carne limpos, não gordos, sem molhos e rejeite as zonas que possam ter ficado queimadas após grelhar ou assar
- Quando comer carnes vermelhas aproveite para as comer “a sério”. Rissóis, hambúrgueres, croquetes, lasanhas e restantes refeições pré-confeccionadas para além do desequilíbrio nutricional, quase nem carne possuem.