Mitos que comemos
Em época alta nas gorduras, balancemos os “ómegas”
Em primeiro lugar há que reconhecer que estes dois “tipos” de ácidos gordos (ómega 6 e ómega 3) são-nos absolutamente essenciais.
Por norma, quando falamos nos efeitos dos lípidos que ingerimos na nossa saúde, o discurso acaba sempre em gorduras animais vs. gorduras vegetais ou nas vantagens e desvantagens dos ácidos gordos saturados, mono ou polinsaturados. Mas raramente se fala de uma questão essencial (não fossem até estes ácidos gordos intitulados dessa forma) que é o equilíbrio (ou a falta dele) entre a ingestão de ácidos gordos ómega 6 e ómega 3.
E porque é esta questão tão importante? Em primeiro lugar há que reconhecer que estes dois “tipos” de ácidos gordos são-nos absolutamente essenciais, uma vez que o nosso organismo não os consegue sintetizar.
O problema reside no facto de nos dias de hoje o consumo de alimentos ricos em “ómega 6” (óleos vegetais, margarinas, bolos, biscoitos, bolachas, mas também frutos gordos e sementes) ser muito elevado face aos “ómega 3” (peixes gordos e alguns frutos gordos e sementes), mesmo tendo em conta que Portugal ocupa o topo mundial no consumo per capita de pescado e este valor poder não ser tão preocupante quanto noutros países ocidentais. Após a ingestão destas duas diferentes famílias de ácidos gordos, a metabolização que elas sofrem no nosso organismo originam diferentes moléculas que são altamente inflamatórias no caso dos “ómega 6”, acontecendo o inverso com os “ómega 3”, daí ser tão importante o seu equilíbrio. De resto, a optimização desta relação parece ser uma necessidade em diversas patologias desde o cancro, doenças neuro-degenerativas e cardiovasculares.
Que acções podemos então tomar para contrariar esta tendência? Sendo os óleos vegetais e seus derivados (como as margarinas e cremes vegetais) as maiores fontes alimentares de “ómega 6”, a redução do consumo de todos os alimentos que o contenham, como fritos, biscoitos, bolachas e afins (é só ler a lista de ingredientes) é um passo positivo. O azeite é uma gordura mais equilibrada a este nível dado que apesar de ter apenas quantidades vestigiais de “ómega 3”, também é relativamente pobre em “ómega 6”. Já o óleo de linhaça é sem dúvida a gordura mais rica em “ómega 3”, devendo no entanto ser apenas utilizada a frio dada a sua grande instabilidade a altas temperaturas. Nas gorduras de barrar, já foi revisto o duelo manteiga vs margarina, chegando à conclusão que nenhuma das duas é particularmente benéfica, sendo que no cômputo geral a opção por manteiga de amendoim, hummus, ou queijos de barrar acaba por ser mais benéfica e com aporte extra de proteína.
Pudemos acima constatar que os frutos gordos e sementes são alimentos ricos em ácidos gordos ómega 6. Neste sentido, mais uma vez há que olhar para um alimento na sua plenitude e não apenas num nutriente específico. Sendo estes alimentos riquíssimos do ponto de vista nutricional e com efeitos positivos na saciedade e gestão do peso, podem e devem continuar a fazer parte da nossa alimentação.
Destaque nestes dois grupos para as nozes, sementes de chia e linhaça por serem aquelas que efectivamente nos conseguem aportar uma maior ingestão de ácidos gordos ómega 3, mesmo tendo em conta que a sua versão vegetal (ácido alfa-linolénico) apenas consegue ser parcialmente convertida (entre 2 a 10%) em EPA e DHA, os dois “ómega 3” com maior acção anti-inflamatória.
Quanto ao peixe, a cavala, salmão, sardinha, atum e truta lideram o ranking dos “ómega 3”, tendo sempre em conta que a sazonalidade tem um papel decisivo neste aspecto. A questão peixe de aquacultura vs. peixe selvagem é muito mais profunda e merecerá no futuro um artigo inteiro em seu torno, mas ainda assim, o que se pode afirmar é que apesar da alimentação do salmão de viveiro o tornar um pouco mais rico em “ómega 6”, o balanço continua a ser tremendamente favorável aos “ómega 3”. Todavia, face à relativa dificuldade em encontrar fontes alimentares de “ómega 3”, a inclusão de um suplemento (de qualidade) de óleo de peixe rico em ómega 3 na dieta não será de excluir em grande parte dos casos.
Em suma, apesar de por si só a razão entre “ómega 6” e “ómega 3” ter um efeito bem caracterizado na nossa saúde, ele acaba por não ser mais do que um reflexo da qualidade da nossa alimentação. Se o que aqui foi dito já não é novidade para si pode continuar descansado; se o foi, está sempre a tempo de mudar!
Take home messages:
- Neste Natal não seja fundamentalista e coma o que lhe apetece desde que dure só dois dias! Se ainda assim quiser ser “picuinhas” nos “ómegas”, preocupe-se mais com os sonhos, filhós, rabanadas e azevias do que com o queijo da serra;
- Prolongue a tradição natalícia dos frutos gordos para o resto do ano e retire da lista do hipermercado os óleos vegetais e todos os produtos que o possuam na lista de ingredientes;
- Guarde uma das suas resoluções de ano novo para o início da suplementação com “ómega 3” (e já agora vitamina D3!)
Pedro Carvalho, assistente convidado da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (pedrocarvalho@fcna.up.pt)