Mitos que comemos
Será a frutose um novo veneno?
O chamado “açúcar da fruta” é um dos mais recentes “sacos de pancada” devido aos seus alegados efeitos prejudiciais na saúde
Uma das “infelizes” modas do momento nas ciências da nutrição passa por isolar um determinado nutriente ou constituinte de um alimento e extrapolar os efeitos que este poderá ter na nossa saúde, descontextualizando-o da sua matriz alimentar original.
Lactose, glúten, ácidos gordos saturados, são vários exemplos deste falacioso exercício, mas o que hoje nos traz aqui é a frutose. O “açúcar da fruta” como todos o conhecemos, é um dos mais recentes “sacos de pancada” devido aos seus alegados efeitos deletérios na nossa saúde.
Nos EUA esta questão ganhou um especial relevo dado que grande parte dos refrigerantes utiliza como fonte de “açúcar” o xarope de milho rico em frutose, em vez da “nossa” sacarose. Ainda assim, apesar de podermos ficar confundidos com o nome, este xarope apenas possui 55% de frutose, pouco mais do que o açúcar normal (que tem 50% de frutose). Chegamos aqui a um ponto fulcral na compreensão do papel da frutose na nossa alimentação: a frutose não é apenas o “açúcar da fruta”, mas sim metade do açúcar “normal” que consumimos em refrigerantes, bolos, bolachas e afins.
Mas então o que terá a frutose que a torna tão temida? Do ponto de vista metabólico um consumo excessivo de frutose é de facto capaz de induzir algumas alterações menos positivas como o aumento dos triglicerídeos e resistência à insulina, aumento dos níveis de ácido úrico e alterações negativas do perfil lipídico mesmo em crianças. Em boa verdade muitos destes efeitos carecem de consolidação quando se passam de ratinhos para pessoas, onde um consumo de 50 gramas diárias de frutose não parece interferir com o controlo glicémico e perfil lipídico.
Há ainda assim que reconhecer que é bastante fácil chegarmos a este valor “apenas” com a fruta (3 peças são o suficiente), sendo que todo o açúcar de adição também contribui para este “limite”. Ou seja, no que a fruta diz respeito, a nossa visão deverá ser bastante equilibrada, pois a frutose não deverá ser um argumento desculpabilizador para o seu baixo consumo, nem as suas vitaminas e fibra um paraíso para o seu consumo excessivo.
Aquilo que podemos afirmar com toda a certeza é que a fruta é sem dúvida a fonte mais inocente de frutose que pode existir ao nosso dispor, e como tal deve aproveitar todas as vitaminas, minerais, fibra e antioxidantes que ela possui, algo que já não se pode dizer quando a desidratamos ou concentramos e retiramos tudo ou quase tudo o que de bom ela possui. Como tal, compotas, doces, e frutos secos (entenda-se passas, banana desidratada, alperces e figos secos, etc…) são pouco mais do que concentrados de frutose preservando pouco ou nada da sua versão original.
Já se for um fervoroso adepto dos “sumos detox”, então beba-os de imediato, com o aproveitamento total de todas as fibras e cascas (quando comestíveis) e com muito mais legumes e hortaliças do que fruta. É que os primeiros têm tudo o que a fruta tem, menos a frutose… o melhor de dois mundos portanto!
Take home messages:
- Não se preocupe com a frutose mas sim com o açúcar e todas as suas fontes que impliquem um “vazio” nutricional como refrigerantes, bolachas, bolos, guloseimas e afins.
- A fruta é um excelente alimento, mas numa escala “macro” não deixa de ser água e açúcar, por isso se é daquelas pessoas que come mais do que 4 peças de fruta por dia, não lhe faria mal reduzir esse consumo.
Pedro Carvalho, assistente convidado da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (pedrocarvalho@fcna.up.pt)