Mitos qure comemos
A febre anti-glúten
O glúten está na ordem do dia pelos seus eventuais efeitos nocivos para a saúde mesmo daqueles que o conseguem digerir. Fará mesmo sentido esta recente febre “anti-glúten”?
Até há bem pouco tempo, a palavra glúten apenas era familiar a doentes celíacos, ou seja, a pessoas que não conseguiam digerir esta proteína presente no trigo, centeio e cevada e, como tal, com grandes limitações na sua alimentação diária. Hoje em dia o glúten está na ordem do dia pelos seus eventuais efeitos nocivos para a saúde mesmo daqueles que o conseguem digerir. Fará mesmo sentido esta recente febre “anti-glúten”?
Sendo o grupo dos cereais o maior da roda dos alimentos, a base da pirâmide alimentar mediterrânica e, tendo a maior parte dos alimentos deste grupo glúten na sua constituição, faz todo o sentido falar de uma possível desvantagem do seu consumo. Também o facto de alguns famosos - como Novak Djokovic, Miley Cyrus, Gwyneth Paltrow e Victoria Beckham entre outros - fazerem alegadamente (nestas coisas é sempre necessário muita cautela) uma dieta sem glúten, é um condimento essencial para projectar mediaticamente uma dieta e torná-la quase uma recomendação de saúde pública para as pessoas mais susceptíveis a este tipo de (des) informação.
Mas então, faz ou não sentido cortar radicalmente nos alimentos ricos em glúten como o pão, massas, (batata e arroz ficam fora deste filme), tostas, cereais prontos-a-comer e farinhas? Faz, logicamente, mas para quem precisa! E neste ponto reside a questão essencial desta abordagem nutricional uma vez que nem só os doentes celíacos beneficiam desta exclusão do glúten da sua alimentação. Apesar da prevalência de doentes celíacos no nosso país ser muito baixa (1 a 3% da população), é consensual que esta patologia está subdiagnosticada. Para além disso, está já reconhecida uma outra forma de intolerância ao glúten – sensibilidade ao glúten não celíaca – que se traduz nos mesmos sintomas da doença celíaca (gases, desconforto abdominal, diarreia, dores cabeça, letargia, etc.), mas sem danificação do epitélio intestinal. Também indivíduos com patologias crónicas do foro auto-imune como diabetes tipo I, psoríase e artrite reumatóide, podem beneficiar da exclusão do glúten da dieta.
Já nas restantes pessoas, a exclusão dos alimentos com glúten é uma liberdade que assiste a cada um, mas que não possui qualquer tipo de benefício, principalmente na perspectiva da perda de peso. Aliás, tal como muitos alimentos rotulados com “0% gordura” possuem depois quantidades exageradas de açúcar, também o facto de um alimento ser “gluten free”, para além de significativamente mais caro, não o torna necessariamente mais saudável. Até porque muitas das vezes são elaborados a partir de cereais refinados e a falta de fibra inerente a uma dieta sem glúten acarreta inevitavelmente um prejuízo para a nossa flora intestinal e sistema imunitário. Para além disso, não é necessário estar refém dos alimentos industrialmente processados com “0% glúten” pois arroz, batata, batata-doce, quinoa, trigo sarraceno e até a aveia (introduzida sempre com cautela e em pequenas quantidades para avaliar a tolerância individual) poderão ser melhores opções.
Mas voltando à questão da perda de peso, por vezes impera o falacioso raciocínio comparativo que é facilmente resumido deste modo: “de todas as pessoas que conheço que estão a fazer uma dieta sem glúten, nenhuma delas tem problemas relacionados com o peso”. Tal pode ser verdade não pelo facto de excluírem o glúten da alimentação, mas sim porque, se o seu cuidado com a alimentação já vai ao ponto de estarem atentas a este “pormenor”, é porque todos os outros conceitos básicos inerentes a uma alimentação equilibrada estão já bem apreendidos por certo!
Assim, sendo mais ou menos cépticos em relação a estas dietas, existe algo de que não podemos fugir que é o bem-estar individual de cada pessoa e as suas próprias convicções em relação aos alimentos que melhor tolera e mais a satisfazem. Por isso, se muitos problemas gastrointestinais (e não só) ficarem resolvidos com a exclusão do glúten da alimentação, nada a opor… Mas dietas sem glúten são óptimas mesmo, só para quem delas precisa!
Em resumo:
- Não precisa de ter doença celíaca para beneficiar de uma dieta sem glúten. Se tiver alguns dos sintomas acima descritos, experimente eliminar temporariamente o pão, tostas, cereais e massas e veja como se sente;
- Se gosta de comer arroz, massa e pão e não tem nenhum desconforto gástrico, então continue. E, se possível, escolha as opções integrais ou menos refinadas destes alimentos.