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Uma mãe nunca dá um só beijo

Ontem estive a contar os beijos que dou à minha filha. Cerca de 50 por dia. Contas feitas são 18.250 beijos ao ano. E concluo que só uma relação maternal pode suportar tantos beijos. Qualquer outra, seja de natureza amorosa ou de amizade, não resistiria. É que ninguém gosta de ser lambuzado todos os dias. Só mães e filhos é que não se divorciam alegando excesso de beijos.

E se abusam, as senhoras! Uma mãe beija o seu bebé, criança ou filho adolescente todas as vezes que possa e nunca se fica por um só beijo. Dá-lhe um beijo apertado que resiste 30 segundos a descolar da bochecha ou dispara uma dúzia de beijos, seguidos uns aos outros. Mas um só beijo, nunca. Os filhos, ingratos, fogem. Porque me estás a esborrachar! Comichosos, não gostam de ser amados com tanta saliva. Só dobram quando estão carentes, amedrontados, doentes.

Beijo de mãe é terapêutico porque cura a dor. Sempre que dá ou recebe carinho, uma área do cérebro é activada e liberta descargas eléctricas que diminuem a dor na criança, e em todos nós, adultos mas sempre crianças aos olhos da nossa mamã. Chuac. E o dói-dói passou porque o beijo da mãe é milagroso. Talvez por isso sejam tão santificadas.

Beijar tem origem na relação mãe/filho. Nos tempos primitivos, as mães introduziam os alimentos sólidos, devidamente mastigados, na boca dos filhos. Tal como fazem os animais, sendo que nós, assumidamente racionais, descobrimos o garfo e a faca. É este beijo nutritivo o mais bonito da história, para mim. Porque o do Romeu não nutria intenções tão inocentes para com a Julieta.

A minha filha gosta de dar beijos. Se lhe pedimos um, não hesita em tirar a chucha e esticar os lábios. Não é favor algum. Dá beijos, assim, sem pedir doces em troca. Por agora, parece-me simpático, este comportamento. Porque deixando de lado os apaixonados, as pessoas beijam-se pouco. Porque deixando de lado os cumprimentos, seja de um ou dois beijinhos, as pessoas beijam-se pouco. Porque deixando de lado os beijos roubados à força, as pessoas beijam-se pouco. E restam poucos beijos, afinal das contas.

Os beijos sabem a amor. E não há amor com mais beijos do que o eterno amor de mãe. Só as mães têm o privilégio de viver um amor que dura a vida inteira e beijá-lo sempre que lhes apetece. Eis a maior compensação de quem escolhe ser mãe, pois claro! Bem-vinda a resposta mais plausível de por que é bom ser mãe.

Gosto do beijo de nariz, o esquimó. Mas não esfrego o nariz no meu vizinho se me cruzo com ele na escada. Ou do beija-mão que não dou ao senhor do café. E também não beijo a testa do meu chefe nem o pescoço da minha melhor amiga. Porque cada qual escolhe o seu beijo e a quem dar, é certo. Mas, desde que fui mãe, uma certeza acorda comigo: não deixar para amanhã os beijos que posso dar hoje. E enquanto a minha filha não me fugir entre os braços vou alimentá-la de beijos e vê-la crescer, assim, bem nutrida.