Mães há muitas
Não quero ser a Merkel cá de casa
A minha filha não é baptizada, não tem as orelhas furadas nem é sócia do Benfica. E mais uns quantos nãos pois há decisões cada vez mais filiais e menos parentais. Não posso abusar do meu estatuto de mãe para tornar a miúda partidária de gostos, por vezes duvidosos, da sua família. Politicamente falando, não quero ser a Merkel cá de casa.
De certa forma, uma família é uma instituição politizada em que o pai é o Presidente e a mãe é o Governo, ou seja, quem manda dentro de casa. Tudo legalmente formado e válido. Juntos, decidem o que é melhor para os seus filhos. Este estatuto parental desperta facilmente o político que existe dentro de todos os pais. Sedentos de poderem governar, se não a sua vida, pelo menos a sua família. Enquanto a aliança política durar.
A minha política parental é ambígua. Sou de direita quanto a mandar a minha filha para a cama às 21h, durante a semana; alinho à esquerda se forem 22h e fim-de-semana; e disfarço alguma tendência extremista após as 23h. Pertenço ao povinho que estraga as sondagens.
Educar, passar valores e querer o melhor para os filhos faz parte do programa eleitoral de todos os pais. Mas há pais que se levam muito a sério. Acumulam funções de liderança na hierarquia da família e usam a sua influência ao seduzir os filhos para a sua visão do futuro. São autênticos políticos em campanha familiar: apregoam o seu evangelho, influenciam as opções clubísticas e ameaçam cortar os subsídios para a cultura. "Se pões o comboio a apitar mais uma vez, tiro-lhe as pilhas e acabou-se a brincadeira, estamos entendidos?" "Se queres música, vens para ao pé do pai ouvir o professor Marcelo."
É muita opinião parental para um cerebrozinho em desenvolvimento cuja aprendizagem assenta na repetição. "Mamã, que bicho é o Cavaco?" Os filhos, de orelhas arrebitadas, papam o discurso político. Porque os pais são os seus líderes, os melhores e únicos candidatos para os levar até à maioridade, esse paraíso opinativo. E uma opinião de 18 anos, ou segue fielmente o partido do seu coração ou passa-se para a oposição. "Pai, decidi que vou ser Elder. Queres fazer par comigo? Pedimos à mãe que nos compre as gravatas."
Mas também há filhos, precocemente independentes, que vão votando em branco. "Deixa-os pensar que me convenceram a não colocar um alargador de orelha, amanhã até perdem o pio."
O problema é que a veia política dos pais os leva a fazer promessas e proferir discursos cuja coerência se perde entre o que dizem e o que fazem. Os pais fumam, comem batatas fritas, têm resquícios de narizes furados, tatuagens que tentaram apagar, estacionam em lugares proibidos, tiram macacos do nariz e, gravíssimo, falam com estranhos. Repito, falam com estranhos. E não é só quando vão ao mercado.
Mas transmitir os valores e aquilo em que acreditam é inevitável. Lá que gostava de decidir, pela minha filha, uma série de coisas importantes, gostava. Por enquanto ainda posso escolher-lhe a roupa, o que deve comer e até decidir quando basta de assistir à Casa do Mickey Mouse. Mas um dia terei de enfiar o meu querer ou 'faz o que te mando' num saco do lixo.
Vejo-me neste novo papel de educadora, mais orientadora do que influenciadora dos gostos, opiniões, desejos de uma bebé. Ensinar alguém a sentir e a pensar pela sua própria cabeça é um desafio que talvez, só talvez, me obrigue a repensar a minha.