PÚBLICO

As marcas fazem stalking às mães

Ao fim de 40 anos fui, finalmente, promovida. Passei a pertencer a um novo grupo de consumidores: as mães. Na hierarquia dos grupos-alvo de consumidores é como se tivesse passado a efectiva. Reconheceram o meu potencial suficientemente responsável para fazer compras sem termo. Sou mãe, logo compro.

Agora faço compras para a família e as empresas de estudos de mercado sabem coisas sobre mim. Sabem que não sou fiel às marcas de toalhitas. Sabem que já deixei de comprar leite em pó e que, no próximo mês, vou ter mesmo de comprar meias e collants para a minha filha. Sabem que dupliquei a frequência de compra de pastilhas para a máquina de louça e reduzi para metade a compra de preservativos.

Alguém regista as minhas necessidades familiares. O que muito agradeço. Será demais pedir que partilhem essa lista com o meu marido?

Não tenho a mania da perseguição mas, ultimamente, sinto que as marcas me andam a fazer stalking. Ainda no outro dia, entrei no hipermercado e senti toda a Secção de Bebés com os olhos postos em mim. Arrepiante. Fingi que não vi e avancei para os iogurtes pois precisava de ar fresco para me recompor. Com tantos metros de corredor adivinhem onde parou o carrinho? No linear infantil. E quem estava na segunda prateleira, bem ao nível dos meus olhos, a encarar-me? Uma colher. A colherzinha. A sacana da colherzinha cor-de-rosa com um coelhinho no cabo. Oferta, mamãs!

Também sinto que as câmaras de vigilância gravam todas as minhas comparações de preço e detectam que retiro os produtos que estão na parte de trás da prateleira. É ali, no fundinho da prateleira, que estão os produtos impecáveis e com maior prazo de validade. As mães fazem sempre contas ao prazo de validade pois deixaram de comprar embalagens individuais. Aliás, gramas são pesos passados pois as mães só usam e abusam de quilos.

Mais coisas que as marcas sabem? As mães usam o congelador para além das couvettes de gelo. Compram roupa do tamanho acima para os filhos. Lêem a publicidade que está na caixa de correio. E para terem 5 minutos de sossego, fecham-se na casa de banho, de onde enviam frases criativas para ganhar uma frigideira. Porque, diz um estudo, as mães portuguesas fazem compras online quando estão na sanita. Aqui é mais cyberstalking de merda.

O meu comportamento de consumo mudou. O ponto alto é a hora de almoço, há lá altura melhor para uma corridinha a comprar qualquer coisa? Porque uma mãe trabalhadora é uma profissional a rentabilizar tempo. Portanto, dá um pulinho até ao supermercado. Ou à farmácia. Ou ao centro comercial. Ou à manicure porque, em casa, longe vão os tempos em que pintava as unhas e ficava meia hora, esparramada no sofá, a secá-las.

Ligo a televisão que fala comigo. Ali, na minha sala. Conserve as células estaminais do seu filho se quer ser uma boa mãe. Dê-lhe Ómega 3 e compre sumos sem açúcar. E não, não se atreva a sair do Lidl sem levar os autocolantes que lhe podem vir a dar um boneco de peluche Brócolos. Saí. Mas tenho lá em casa o Alho e a Beringela.

Facto é que a maternidade me encaixou num dos maiores perfis de consumidores do mundo. Mães, senhoras que estão numa faixa etária a partir dos 25 anos e até uma idade cada vez mais tardia. Mães, senhoras que têm pelo menos um filho porque basta um filho para ser uma família. Mães, decisoras racionais das pequenas e grandes compras da família. Mães, que trazem colheres com coelhos e peluches de legumes, num acto de amor – ou será impulso? – para os filhos. Mães, estatisticamente actualizadas aos dias de hoje.

E, de repente, são as marcas que amam as mães.

Uma mulher tem um filho e torna-se mãe. Uma mãe é adorada pelas marcas e torna-se uma Love Consumer. Uma Love Consumer tem fãs que a perseguem. E, nesta lógica, as marcas perseguem as mães e isso é stalking. Talvez a DECO ache piada a esta ideia.