Rui Gaudêncio

Depois das férias os pais precisam de férias

Este ano calhou férias familiares, das que metem mesmo água e filhos. E vento. Daquele vento que assim que espetamos o guarda-sol na areia e pomos o pé na água é um instantinho até estarmos a correr meia praia atrás do guarda-sol. Envergonhadas, pois não conheço nenhuma recém-mamã que queira ser vista a correr na praia.

Tive momentos de pura adrenalina. Como o percurso, até uma praia, de cerca de 500 metros por uma arriba algarvia, daquelas que ainda não caíram e até têm uma placa gigante a alertar “Perigo de derrocada”. Ao chegar ao areal confirmei que todos querem encontrar o seu “lugar ao sol” mesmo arriscando ficar soterrados. Depois disto, ainda tive de fugir de uma abelha, o que também foi emocionante.

Colocar creme protector à bebé, pôr o chapéu, encher o baldinho com água, mudar uma fralda, tirar a areia da boca, dar água, mudar o fato de banho já molhado, tirar uma concha da boca, voltar a encher o baldinho que entornou, tirar uma alga da boca, voltar a pôr o chapéu, tirar uma beata da boca pois há todo um mundo por reciclar enterrado na areia. Pausa. Tudo sob controlo, agora é fechar os olhos e sentir o sol.

No meu caso passaram 2 segundos até um cão simpatizar comigo e trazer-me um pau para que lho atirasse. Agosto, centenas de pessoas na praia e o animal decidiu que tinha de ser eu a conviver com ele. Lá atirei o pau ao cão, mas o cão-ão-ão, não bazou não-não; vinte vezes de pau ao ar e a brincadeira já sem piada. Como cada cão tem o seu freak, pus-me a olhar a ver se o dono se acusava. Orfão.

Quem decidiu aparecer foi o homem das bolas de Berlim. Isto foi demais, a ASAE foi a banhos. Tive de virar a cara para o lado e ignorá-lo pois outra coisa que uma mamã não quer é ser vista em biquíni, ainda menos fotografada, a comer uma bola de Berlim com creme.

Pai e bebé à beira-mar. Volto a fechar os olhos, agora sim, isto está a ficar bom. Consegui uns 10 minutos de Eu interrompido por um “Vamos embora? Já passa das 11h”. Certo, penso que o horário do meio-dia foi substituído pelo não-aquece-nem-arrefece da manhã ou do final do dia, o tom de pele castanho-escuro por cor-de-burra quando foge. E a cerveja por panaché, finíssimo. Por fim, em vez de me deitar às oito da manhã a bolsar, levanto-me a essa hora e sou bolsada.

Saída da praia à hora que o sol torra as ideias: “Brilhante era ir almoçar à Azenha do Mar”. Uma hora de viagem para aguardar outra hora até ver na mesa um arroz de marisco em sincronia perfeita com a maior birra que a bebé – minha e com toda a razão – decidiu fazer. Comemos à vez. Um à mesa, o outro do lado de fora do restaurante a abanar o carrinho e a perguntar gestualmente: “Está bom?!”. Na mesa ao lado, um português emigrante no Dubai, num gesto piedoso ofereceu-nos uma tosta com pasta de sapateira.

De novo no carro, a bebé muda a birra para um palrar alegre como se a vida fosse maravilhosa. Não dorme, não chora, não quer bolachas. Está simplesmente feliz por estarmos os três juntinhos e quentinhos no carro sem ar condicionado. O resto do dia segue numa longa sesta, cada qual esparramado para seu lado.

Corajosos, amnésicos, esfaimados: jantar. Vamos lá fazer uma barrigada de sardinhas, a ver quem come mais. Isto é que é vida! Assim que chegam à mesa, a Laura acorda. Colo de quem? Mãe. Quem é a mãe? Eu. Como é que se comem sardinhas com a bebé ao colo? Yes you can, como estou de férias motivo-me em inglês. Até porque janto no turno dos turistas, ali perto das sete e tal da noite, o que me dá a sensação de estar num rodízio de lagostas. Quanto às sardinhas, estavam ótimas, comi três e o meu marido vinte.

À noite, antes de a deitar, contei-lhe uma história na qual esta mulher de férias não sou bem eu. Mostrei-lhe fotografias das férias na Índia só com uma mochila levezinha. A miúda devolveu-me um sorriso mas penso que foi por ter visto a vaca na fotografia e pensado logo em leite. O final da história termina comigo a carregar três sacos para a praia onde cabem todos os imprevistos menos o que vai acontecer.

Pensei no meu conceito de férias dos últimos vinte anos, sob um único lema: não mexer uma palha mental. Que explica o facto de ainda estar em transição entre “tenho de lavar o biberão mas ainda não fui porque estou de férias”. Fecho os olhos e imagino que o biberão se lava sozinho. Nem tenho de dizer abracadabra, lá está, porque estou de férias.

E assim voaram os dias com um sorriso ensonado e a dizer umas mentiritas, não das cubanas, mas daquelas que são mais para despachar o assunto: “Ah, isto está a ser ótimo”. E não é que foi mesmo, quando entre uma gaivota e outra, a miúda deu uns passinhos ;-).