Fernando Veludo/NFactos

Não é preciso dar porrada no filho único

Os filhos únicos até podiam ter razão em andar ofendidos. Por aparecerem nas capas dos jornais. Todos os dias se lê uma notícia a repetir que Portugal é o país dos filhos únicos. Em que o tom é preocupado e os queixumes relatados como uma pouca-vergonha, é o que isto é. Culpa-se o Governo, a crise, a falta de medidas de apoio à natalidade e o egoísmo dos pais. Todos são bodes expiatórios da escassa procriação nacional.

Como é que se enfia um país num preservativo gigante? A maioria dos outros animais tem filhos às ninhadas. Os gatos e os cães garantem a continuidade da espécie de uma só vez. Andam pelas suas próprias patas. E ainda se diz que são irracionais. Só nós, raça humana, é que nascemos sem falar, sem andar, sem caçar. Até aos 30 e muitos anos. Imagine-se a catástrofe, caso tivéssemos ninhadas de bebés. Portugal, o país dos filhos múltiplos. Quem é que quer ter oito filhos alapados em casa, sem trabalhar e a pedir bitoques?

É certíssimo que a natalidade actual tem de aumentar, que este país não é para velhos nem para bebés; e cada vez mais há pessoas a optar por ter cães e gatos. Que castram assim que podem. Mas há ainda quem queira, e muito, ter mais filhos. O casalinho. Ou a equipa de futebol. Só mais um. Pois que se faça mais um, dois ou três filhos. Mas não é preciso dar porrada no filho único.

Tenho um amigo que adora ser filho único. Desde sempre é o preferido dos pais e não seria o mesmo se tivesse tido um irmão. É feliz por ter toda a atenção para si, fala diariamente com os pais, a mãe prepara-lhe o almocinho e ele retribui com a sua presença como se nunca tivesse saído de casa. Assume o papel the one and only naquela família de três. Porque, às vezes, menos é mais.

Uma grande família feliz e uma pequena família menos feliz são mitos. A ideia que o filho único se sente sozinho e dos pais obcecados por só o terem a ele, é um erro de interpretação. A felicidade não se mede pelo número de filhos, irmãos ou pais. Ou seriamos um país muito infeliz.

O filho único merece respeito. O seu estado filial não deve ser usado como um adjectivo pejorativo. Nem mesmo perante um tema tão importante como o aumento da taxa de natalidade. Deixem o filho único em paz. Substitua-se o “País dos filhos únicos” pelo “País dos pais que querem mais filhos”. É mais simpático e não traumatiza ninguém.

Este preciosismo é para poupar o primeiro-e-último que, desde que nasceu, sofre de bullying social. Está habituado a ouvir que é mimado, egocêntrico, infantil, mandão. Que é tudo como ele quer, que não sabe partilhar. Que vive nas saias da mãe. Que terá de ir ao psicólogo quando crescer. Que tem tudo e não dá valor a nada. Pois a má notícia é que estes atributos não são exclusivos dos filhos únicos.

– Vai fazer-lhe bem, um mano. Para aprender que o mundo não gira à volta dele.

Desculpe, bem a quê?

Resposta 1: para ter com quem brincar. Ah. Mas o segundo filho é algum brinquedo do primeiro? No Natal permuta o irmão por um carro telecomandado?

Resposta 2: para aprender a partilhar as coisas. Certo, esperem até se repartir a herança da família e vão agradecer as explicações de matemática que pagaram.

Resposta 3: para não se sentir sozinho. Já estamos a falar melhor mas, ainda assim, não é garantido. Conheço imensos irmãos, adultos, que não se falam. Não conheço é nenhum filho único que tenha deixado de falar ao irmão.

O potencial narcísico da criança-um-dia-adulta é mais causa-efeito dos pais do que da ausência de irmãos. Depende, essencialmente, da educação dos pais. Quanto a ter mais filhos, que seja porque o papá e a mamã se amam e têm mais amor para dar; sempre é melhor que pôr a responsabilidade em cima do pobre coitado que já se tem em casa. Quanto a mais condições, aqui e agora, não dá. Esperem pela próxima geração. Portanto, qual é o problema do filho único? Nenhum. Desde que não vá para padre.

A crónica "Mães há muitas" regressa a 7 de Agosto