Mães há muitas
A melhor droga do mundo são os filhos
- Olá, o meu nome é Sofia e há 14 meses que sou viciada na minha filha. Há 24 horas que não mostro uma fotografia dela a ninguém.
Estou numa fase tramada do vício mas tenho esperança de recuperar e vir a ser uma mãe normal. Se me perguntarem, nego. “Eu, filho-dependente?! Ora essa, tenho tudo sob controlo. Querem ver uma fotografia da Laura? Ou talvez um vídeo dela a comer uma bolacha?”
Antes de ter filhos, toda a gente me avisou: “Pensa bem… Olha que depois de experimentares é para toda a vida”. Felizmente, não sou a única adicta neste grupo de Filho-Dependentes Anónimos. Há muitos pais viciados nos filhos. Porque a parentalidade pode causar dependência. Mães e pais incluídos que, de um dia para o outro, quando dão por si, estão agarrados aos filhos. Basta uma dose e já não conseguem largar. Porque quem experimenta, quer mais. E fica lá.
A melhor droga do mundo são os filhos. Posso dizê-lo porque não resisti e experimentei. Comigo a coisa passou-se assim: à minha volta andava tudo a dar nos filhos. Contavam maravilhas, diziam que era uma “curte”. Uma noite, arrisquei. Foi bom mas só senti o efeito nove meses mais tarde.
Foi como recém-mamã que a dependência tomou conta de mim. Culpa também da Natureza, que me aliciou com muitas hormonas protetoras e cheias de prazer. De borla.
Assim que dei à luz tive uma sensação de euforia, induzida pela oxitocina e pela dopamina - responsáveis por, fisicamente, despoletarem o meu primeiro nirvana maternal. QUE CENA.
Com a Laura finalmente nos braços, inspirei profundamente. O seu cheirinho a bebé activou novamente o meu cérebro que, em jeito de “Parabéns, Mamã!”, não perdeu tempo a presentear-me com mais uma dose da gulosa oxitocina. Seguiu-se uma reação química que instalou a ansiedade pelo bebé. E aqui começou esta relação de co-dependência. Que prevejo crónica.
A mente maternal fez o resto. Não resisto a abraçá-la, dar-lhe colo, embalá-la. A controlar cada grama de crescimento. O vício entranha-se no pensamento mais que nos braços. E dou comigo mais alerta que nunca, os meus sentidos perfeitos: ouço um gemido a 100 metros de distância e nenhum grão de pó me escapa ao olhar.
Cada sorriso que a minha filha me devolve é uma moca maravilhosa. Fico inebriada, são segundos intensos em que me sinto a melhor-mãe-do-mundo. Por isso, todos os dias consumo em busca de outro sorriso, um gatinhar, uma nova palavra. A miúda começou por dizer “cão”. Mas quando calhou dizer “Mamã” fiquei tão compensada que tive uma ligeira quebra de tensão. E fui beber um copo de água. Nessa noite, quando me deitei, compreendi a famosa frase de que “Ser mãe é padecer no paraíso”; fez todo o sentido por alguns segundos. Oh, it was just a perfect day!
Claro que a maioria dos pais tem um grau de dependência dos filhos moderado, ou seja, socialmente aceite. Hei-de ser assim, mas não agora. Quero curtir um bocadinho mais; só mais uma vez; a última, talvez.
Porque não quero ser como aqueles pais que não se controlam e vivem em função do que os meninos pedem. Comportam-se como autênticos junkies. Arranjam forma de falar dos filhos a propósito de qualquer assunto. Têm a sua fotografia na carteira, desktop do computador, ecrã do telemóvel, colada no frigorífico. E pendurada na parede, por cima da cama, a substituir o Jesus na cruz. Ajoelham e rezam ao menino, mas neste caso, ao deles. Porque em casa de pais viciados, não basta ter a criança ao vivo: tem de ser omnipresente.
Não acredito em pessoas que não têm vícios, aliás, não conheço nenhuma. Todos temos um víciozinho de estimação. Penso que encontrei o meu. A minha filha é a minha heroína. E é só o que quero a correr-me nas veias.