Rui Gaudêncio

Bolinha vermelha para mães sensíveis

A imprensa escrita devia ter bolinha vermelha. Colocada no canto superior direito da notícia. Bastava recorrer a este símbolo gráfico, universal e sem direitos exclusivos, para alertar que determinada notícia poderia ferir a susceptibilidade de leitores mais sensíveis. É certo que alguns jornais abusariam da tinta vermelha.

Senhores directores! Pelo amor das vossas mães, pela saúde cardíaca de muitas mães, coloquem a bolinha vermelha quando publicarem notícias sobre maus tratos a crianças. Para assinalar que a leitura não é apropriada a mães sensíveis, passo a redundância.

É que há mães, como eu, que são mães há pouco mais de um ano; o que significa que não somos mães-adultas. Não atingimos a maturidade maternal para ler coisas que nos fazem doer os olhos. Um alfinete, ali espetadinho sem pré-aviso, que nos desvia o olhar maternal para outros bebés que estão em apuros. Porque os nossos estão a salvo.

“Se a incomoda, não leia” – diriam com toda a razão. Parei de ler a notícia. No terceiro parágrafo, desliguei o computador e fui deitar-me. Só que quem lê, fica a saber. E quem sabe, não pode esquecer que sabe que há uma menina de dois anos que tinha peladas na cabeça porque o miserável do namorado da mãe lhe arrancava cabelos.

A estes animais tatuava-lhes a tal bolinha vermelha no lado direito da testa. Para serem identificados como adultos perigosos. Não, não podemos proteger todas as crianças do mundo nem abater todos os animais que as mordem. Por isso, quando lemos estas notícias malvadas, encolhemo-nos e tratamos de puxar os nossos filhos para debaixo das saias como se, ali, estivessem seguros.

Mas os perigos vivem também em casa. As mães sentem-se perseguidas pela imprevisibilidade de algum acidente acontecer aos seus filhos, mesmo debaixo do seu nariz. Receiam escadas, janelas e portas abertas, móveis pontiagudos, detergentes à mão de semear e pequenos objectos não identificados que possam ser engolidos. À noite têm pesadelos com a mais ínfima casualidade que possa gerar um segundo de negligência que resulte numa eterna auto-punição. Preocupam-se com toda a potencial matéria que possa ser perigosa para os seus filhos. Só não contam com a matéria humana que definha num namorado, tio ou vizinha.

Acontece que ser mãe é, inevitavelmente, mais do que ser “a mãe do seu filho”.

Quando as mulheres dão à luz, passam a ter uma criança sua e ganham a certeza absoluta do que é ser criança. Confirmam, diariamente, que a inocência existe mesmo. É por isso que perante crianças expostas nos jornais pela aniquilação dos seus direitos a serem bem tratadas, qualquer mãe – tenho a certeza – sente um bocadinho vontade de ter sido mãe dessa criança. E pode sonhar, por instantes, que essa criança afinal era sua e feliz. A existirem outras dimensões de realidades paralelas, este sonho seria maravilhosamente real.