Os chatos dos pais digitais

Não há paciência para o tráfego parental que circula na rede. Posts no facebook: “A minha gordinha já gatinha.” Seca. “Hoje faz dois anos que nasceu o meu amor!” Mais seca. “O Manelinho vestido de calimero!” Se fosse a ti não o vestia assim. “Acordei a ouvir que sou a mãe mais bonita do mundo.” E acreditaste?

Há mães e pais que deviam ter um número limite de posts parentais. Porque entopem a cronologia com fotografias ou frases abebezadas proferidas pelos geniozinhos que têm lá em casa. Chega a dar medo de tocar no ecrã e sentir a baba escorrer pelos dedos.

Um acto de civismo digital seria guardarem essas pérolas para si, até porque os direitos autorais da maioria das declarações são dos filhos. O que se passa é simples: os pais usurpam a criatividade filial para terem likes. Porque depositam o seu sucesso nos feitos dos filhos ou porque não têm mais assunto. E os filhos têm voto na matéria ou autorizam serem citados? Não. “Quem manda aqui sou eu” – dizem os pais. Porque sim. Quando vejo uma fotografia minha, publicada por amigos espertalhões, em que estou com a boca torta e um olho fechado, não gosto. E muitas crianças também não devem gostar de ver a sua ingenuidade leiloada a quem der mais likes.

Mas a questão não é os pais publicarem uma fotografia ou uma graçola. É publicarem centenas. É partilharem cada percentil de crescimento com todos os amigos. É divulgarem dente atrás de dente nascido. É proliferarem todos os vídeos de bebés e mamãs e papás a puxarem a lágrima ao olho. É citarem as mil e uma razões de porque é que é bom ter um filho.

Basta fazê-lo apenas aos melhores amigos, que se contam com dois dedos. Porque amigo que é amigo, é da casa. Foi visitar à maternidade, está sempre a esbarrar com o xuxuzinho, até aprendeu a traduzir em anos os meses que a criança tem. Para quê colocar as centenas de restantes amigos a fazer scroll down aos posts de crescimento até ficarem com o dedo dormente? É abusar da sua amizade online.

Os pais digitais são chatos. Pertencem ao grupo que ultrapassou a dúvida existencial de quem chega ao mundo da parentalidade: “Postar ou não postar a foto do bebé?”

Os que decidem a favor, começam logo na consulta da primeira ecografia: “Doutor, afaste a cabeça para o lado e esteja quieto com a mão um segundinho… click!” Mais dois segundos e aquele feto tem a sua primeira fotografia pública para todo o mundo ver muito bem “esses bonitos ossinhos e que cabeçudo que é!” O mundo são as centenas de amigos da família. Porque podemos ser um país de famílias de filhos únicos, mas – sorte das sortes – compensamos com a família virtual alargada. “Olha tantas tias e tios na rede! Diz olá!”

Portanto, ter um filho e partilhar online cada cocó, dentinho ou passinho, assumiu um tráfego exagerado. Li numa pesquisa realizada pela empresa de segurança AVG, que cerca de 70% dos progenitores, a nível mundial, publica fotografias online dos seus filhos. Não interessa se são bonitos, feios, se vêm com penugem ou a cabeça torta: querem mostrá-los aos amigos e família. E se há pecado perdoado é o de um pai babado.

Há uns anos, um casal americano criou uma página no facebook para o seu bebé. Que ainda não tinha nascido. E contava já com 300 amigos. Este casal foi visionário. É que hoje, segundo a mesma pesquisa da AVG, já são muitos os pais que criam um perfil para o feto. Antes de nascerem, antes de terem a sua identidade no Registo Civil, muitos bebés já têm uma identidade digital que inclui o perfil no facebook e até mesmo conta de email.

Mas há casos de pais que são doentes digitais. Como um casal mexicano, que só pode ter apanhado um vírus nos neurónios, pois chamou ao seu filho “Facebook”. Isso mesmo, traduzindo para português, o miúdo chama-se Cara de Livro. Imagino-o numa sala de aula cheia de Pablos.

Por oposição, há quem seja contra o entupimento infantil das redes. Têm bom remédio, basta instalarem o programa “Unbaby-me”, que elimina as imagens dos bebés do feed de notícias e as substitui por outras, por exemplo, de gatos. Outra seca. Eu, que sou alérgica, espirro de cada vez que colocam uma imagem de um gato.

Para já, a minha filha não tem um perfil ou email criados. Há-de ter? Sim, mas quando tiver idade para o fazer, também acredito que possa ter amigos alforreca ou estar num relacionamento “É complicado” em Marte. Quanto a mim, ando a prometer-me há dez meses que vou fazer um álbum impresso com fotos da sua infância. Mas estou só nas intenções pois o facebook rouba-me muito tempo.