Daniel Munoz / Reuters

O mundo está fértil em madrastas

Era uma vez uma madrasta má que passou à história. Porque os tempos mudaram e as madrastas más tiveram de se fazer à vida, ou seja, começar a ser boazinhas. A figura feminina, esposa do pai, que roubou o lugar da mãe e pôs as enteadas a esfregar o chão ou no colégio interno, evaporou-se.

O mundo está fértil em madrastas. Todos conhecemos pelo menos uma madrasta. E todas as mulheres, se não são já madrastas de alguém, são pelo menos uma madrasta em potencial. Hoje já não é preciso as mães morrerem no início da história para as madrastas lançarem as garras aos pais viúvos e fazerem 'buu!' às criancinhas que não são delas. Nos dias que correm são as mães, mais vivas do que nunca, que batem com a porta do lar e desejam boa sorte às senhoras que se seguem. “Querida, faz bom proveito desse idiota”. 

A madrasta é literalmente a pobre Cinderela dos tempos modernos. Pobre, pois a mãe divorciou-se, levou uma boa pensão e gozou os melhores dias daquele paizão outrora tão apaixonado. Cinderela, porque a maioria das novas mulheres dos pais têm pouco mais de dez anos que as suas enteadas. 

O facto é que as madrastas nunca tiveram a vida tão facilitada como hoje em dia. Se antes eram as más da fita, agora têm tudo para se tornarem nas estrelas. Pisam o caminho bondoso das madrastas, empenham-se em ser simpáticas e são as primeiras a fazer a faxina lá de casa. Agarram na vassoura para lançar a imagem estigmatizada para debaixo do tapete e já não estão para se chatear com estratagemas de contos infantis. “Toma querida, levo-te ao McDonalds e depois era boa ideia ires dormir a casa da tua amiguinha preferida”. São práticas, inteligentes e sabem bem o seu lugar.

E assim conquistam o direito ao Dia das Madrastas, data que devia ser comemorada com maçãs docinhas sem ponta de veneno. Eis uma bela oportunidade de consumo para as marcas explorarem as (in)felicidades familiares e compensarem as criancinhas e papás. Mais tarde ou mais cedo, conquistarão ainda um lugar na legislação a assegurar os seus direitos para manter o contacto com os enteados amados no caso de separação dos paizinhos destes. Porque a madrasta também tem direitos.

Já os padrastos, por norma, são bonzinhos. Porque assumem o lugar de um outro sujeito que deu à sola. Só por isso, os padrastos deviam todos ter o nome próprio de Salvador. Se o homem atura uma mulher que traz filhos no regaço, é bom tipo. Nesta dedução moralista, os padrastos quase nunca são colocados nas histórias infantis como os maus. Mas porque é que não morrem os pais e ficam antes as mães viúvas que conhecem um vigoroso rapaz de 20 anos - pode ser o Romeu - que ajuda a limpar a casa e a dividir a sopa por vários tupperwares? Será que nem na fantasia isto existe? 

Por outro lado, pergunto-me: se as eternas bruxas malévolas dos contos infantis deixaram de ser as madrastas, então quem as vai substituir? Sendo os contos infantis réplicas das histórias reais, há que averiguar quem são e onde estão os vilões das famílias modernas. Não leio um livro infantil faz muito tempo, portanto não sei em quem é que os autores se andam a inspirar. 

Ora bem, talvez possam ser as bimadrastras ou trimadastras. É que uma coisa é aguentar a primeira madrasta, outra é ter de assistir a uma fila de madrastas a comprar happy meals. Outra resposta provável é serem as criancinhas a transformarem-se em bruxas malvadas. Pela mesma lógica, antigamente as crianças eram muito bem educadas e comportadas. Diziam “Senhor pai” para aqui, “Senhora minha mãe” para ali, “Dão licença que me levante da mesa?”. Estas criancinhas também sumiram na floresta moderna. Agora, interrompem as conversas a dar ordens ao paizinho: “Meu, passa-me o ketchup”. E ele passa. E a madrasta engole em seco porque não está para molhadas.

Moral da história: qualquer mulher é uma potencial madrasta, bimadrasta, trimadrasta. Portanto, quando se cruzarem com alguma, não lhe pisem o pé descalço… É que, amanhã, a madrasta pode ser uma de nós.

 

Sofia Anjos, 38 anos, directora de contas numa agência de comunicação, foi mãe pela primeira vez em Maio.