Mães há muitas

Filhos não, obrigada
Há pessoas que não gostam de bebés. E essas pessoas são normais? Sim, têm duas pernas e um coração - salvo pernetas que não gostem de bebés. Nem todos têm de ser fãs de crianças. Aliás, a maioria das pessoas não tem pachorra para crianças que não sejam as suas. Por vezes, nem para as suas: “Estás aqui estás a levar uma bofetada que até andas de lado!”
Mas é constrangedor olhar para um adulto a esforçar-se para brincar com uma criança, não porque o queira fazer, mas porque convém. Pois não pode ser mal-educado. Então, o adulto esforça-se para ser simpático, faz caretas, põe-se de gatas e pergunta-lhe se gosta do Snoopy. Claro que o "raistaparta" da criança topa logo a inaptidão infantil deste-vosso-amigo-totó e sabota as manobras de diversão do pobre coitado.
Não gostar de bebés é malvisto, porque a sociedade impõe que se goste - e muito! - de bebés. É que a senhora sociedade é gaja. Veste saias. E, sendo a procriação o meio de perpetuar a espécie humana que a povoa, a sociedade faz campanha a favor da idolatração infantil. Surge daqui o dever social das mulheres em serem cidadãs responsáveis sob o lema “assumam as vossas posições missionárias e façam bebés”. Por favor. É que apesar da senhora sociedade já estar velhota, ainda está boa para as curvas.
Mas há sempre umas anti-missionárias que preferem assumir outras posições. Porque as há. São as mulheres que não querem ter filhos, simplesmente porque não querem. É que há mulheres que não querem diamantes, que não gostam do Brad Pitt e que não desejam ser mães. As outras, as das famílias numerosas, ficam a roer-se um bocadinho de inveja desta singularidade. A propósito, por este andar, quem tiver um filho já pode considerar-se família numerosa.
Ter ou não ter filhos é uma escolha. O que causa borboletas nas barrigas das mães é verem outras mulheres escolher livremente aquela outra vida, sem filhos, que nunca irão viver. É que durante séculos a mulher não escolheu, desenvolveu sim a arte de viver, e bem, com as opções institucionalizadas. Mas hoje a mulher já não é sinónimo de maternidade. E o mito da felicidade depositada num filho é isso mesmo: um mito. Lá porque nos deram um útero, também nos deram um coração para sentir e um cérebro para decidir o que fazer com a nossa vida.
As não-quero-ser-mãe não babam para cima dos bebés. E até gostam deles e recorrem ao seu instinto maternal quando lhes dão colo. E são tão ou mais felizes que as mães. Mas no Dia da Mãe ficam em casa, a analisar planos de poupança e reforma, pois são as melhores clientes para se vender um futuro assegurado. No supermercado usam o cesto, pois um carrinho a transbordar de compras mensais é algo assustador. E lambuzam-se à vontade com o peitinho do frango e deixam as asas para o seu béu-béu. Têm um instinto maternal sim, mas que é não-maternal. Igualzinho ao de outras que, com o mesmo instinto, tiveram filhos e andam muito contrariadas a dar o peitinho do frango aos filhos e a comer as asas que sobram.
Há mulheres que não têm filhos mas que desejavam tê-los. E há as que os têm sem terem desejado assim tanto. Mas a quem todos torcem o nariz é às que podem ter filhos mas não os querem. “Então pode engravidar, mas não quer?!”, “É como te digo, fulana diz que não quer ser mãe. Sempre a achei esquisita...”. Pois, claro que achou. Basta uma galinha não querer pôr um ovo para as outras galinhas se desorientarem todas. “Andamos aqui todas agachadas a pôr ovos e aquela galinha espertalhona está a baldar-se à Páscoa?” Cocórocó, não pode ser!
Egoísta ou carreirista, à falta de argumentos criativos, a criminosa que não quer ser mãe é logo dada como suspeita. Culpada, até prova em contrário, no tribunal da família. Claro que um bom advogado de defesa pode evocar casos similares. Por exemplo, mulheres que não querem casar. Porque não casar também é uma opção. E das boas. Aliás, quando alguém anuncia que se vai casar, a pergunta que se impõe é: contra quem? Portanto, na maternidade ou na não-maternidade, primeiro estranha-se, depois entranha-se. E, pelo meio, há o tempo nebuloso até nos acostumarmos a ideias que não são as nossas.
O engraçado é que às mulheres que querem ter filhos não se questiona este desejo. Perguntar “Tu QUERES um filho?!” com o ar mais incrédulo do mundo, porque “Tu pensa bem, podes vir a ARREPENDER-TE quando fores velha” é algo que as pessoas não fazem. E se calhar, nalguns casos, não teria feito mal perguntar.
A dúvida é se as mulheres que têm filhos alguma vez se arrependem de os ter tido? É que não conheço nenhuma que mo tenha confidenciado. O discurso é sempre “que compensa”. Mas isto é como se diz das bruxas, que as há, há. Só que fica muito mal a uma mãe arrepender-se. Porque até as corujas gostam dos seus filhos.
A propósito das mulheres mães ou não-mães, a coisa mais divertida que li foi um artigo que mencionava um estudo realizado por um psicólogo da London School of Economics. Este apresentou como resultado que quanto mais inteligente é a mulher, maior é a probabilidade de não querer ter filhos. Ah, ah, ah! Portanto, por esta lógica, são as mulheres menos inteligentes que mais querem ter filhos. Atrevo-me a deduzir que a continuidade da espécie humana corre o risco de ir emburrecendo. Está certo. Sinto-me burra e feliz.
Sofia Anjos, 38 anos, directora de contas numa agência de comunicação, foi mãe pela primeira vez em Maio.