Mães há muitas

Mães há muitas
Aquando da publicação da primeira crónica, os comentários revelavam que os leitores estavam num feliz desassossego.
Pensei que estava na creche: de um lado as crianças boazinhas, do outro as crianças menos boazinhas, a puxarem os cabelos umas às outras e a dizerem “a minha mãe é mais bonita que a tua”. Toma, toma.
Percebi de imediato que não, não tinha sido a crónica publicada, mas antes a necessidade comunitária de expressão. Pois é, as mães, os pais e até as madrastas - hoje em dia, também boazinhas - querem falar, desabafar, contar. Ah, se querem! É que andam todos, uns mais que outros, engasgados.
As famílias estão fartas de falar da crise, mas falar sobre ser mãe, ora cá está um tema que nos toca nos calcanhares a todos. Em meia dúzia de horas, o tema da maternidade deu à luz centenas de adeptos, daqueles que puxam do telemóvel para mostrar a fotografia do seu rebento: recém-mamãs, futuras mamãs, pais exemplares e mães prodígio sem as quais não teríamos termo de comparação. São as puxa-saco da maternidade, cheias de conselhos não solicitados, tema que já teve o seu tempo de antena. Mais que falar sobre a crónica, muitos queriam contar a sua história, testemunhar no espaço público a sua impecável parentalidade. Porque em “ser pais”, todos somos especialistas, tenhamos ou não parido.
Larguemos assim a creche, que é uma associação infantil, e entremos então em instituições mais dignas desse mundo adulto, maravilhoso e imaculado onde vivem as mamãs que saltitam contentinhas nos prados verdes do jardim do Éden com o seu rebanho de pura lã virgem.
Recomeçando.
Aquando da publicação da primeira crónica, os comentários revelavam que os leitores estavam num feliz desassossego.
Pensei que estava num portal de terapia familiar online. De um lado, as mães perfeitas, do outro, as mães menos perfeitas, a engalfinharem-se umas às outras e a dizerem “o meu menino é mais bonzinho que o teu”. Sim, porque há mães cujos filhos choram menos, não têm cólicas, nem sequer se lhes dá pelo nascer dos dentes. Ou são mamãs desmemoriadas ou então mentem com quantos dentes têm na boca delas e na dos filhos.
Sai nota 20 para a mamã sentada na primeira fila. A mamã sentada junto à janela leva nota 15, perde 5 pontos porque não teve tempo de pintar as unhas e o borrego ficou mal assado. O pai todo arrumadinho aí atrás? Só não leva mais de 20 porque rebentava a escala e o ego ao mesmo tempo. É que penso que esta necessidade de valorizar tudo numa escala própria e inquestionável, está sobrevalorizada. E muito menos em crise. É como se diz: se os conselhos fossem gratuitos, estávamos todos ricos e, eu, estava numa espreguiçadeira no Sri Lanka com uma babá a tomar conta da bebé debaixo da bananeira.
A mim interessam-me todas as maternidades. Todas as paternidades. E todas as infâncias. Não importa a história de um, importam as histórias de todos, sem rebuscados juízos de valor. Importa, muito, a boa disposição. E importa a delicadeza que escasseia quando a opinião diverge. Não há opinião certa nem errada, nem boas nem más mães, pais ou apêndices. Há mães, ponto. Que não nascem mães, transformam-se o melhor que conseguem nessa entidade à medida da sua identidade e da sua mentalidade.
No território gordo das mentalidades, prefiro as que ajudam as outras mães a serem mais felizes porque entre uma fralda e um arroto, se riram um pouco.
Como ouvi dizer: mãe feliz, filho feliz, mãe totó, filho totó, e por aí em diante com o adjectivo preferido de cada um.
- Sai uma cervejinha, se faz favor, para celebrar que Mães há muitas.
Sofia Anjos, 38 anos, directora de contas numa agência de comunicação, foi mãe pela primeira vez em Maio.